Kaique Theodoro é da Praça Seca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ele conta que para quem não nasceu em berço de ouro ou em família de artistas e vive em uma região esquecida pelo Rio de Janeiro, as dificuldades de se fazer arte vão para além do investimento.
O cantor começou a sua carreira solo com a música “Ao sol” que é uma mistura de blues e mpb, sem estar decidido ainda qual estilo de música seguir. Nessa época, o público dos shows o incomodava, eram festas em faculdades, saraus e eventos desse perfil, locais onde o diálogo sobre gênero já estava dado de bandeja, ainda que nem todos estejam desconstruídos acerca do tema. Ele comenta que no meio acadêmico, “querendo ou não, era um lugar super confortável pra mim e para aquelas pessoas também, meu corpo era cool. Não era um lugar em que eu fosse totalmente indesejado’’.
Então aconteceu o boom na música brasileira de Pablo Vittar, em que as pessoas passaram a escutar uma drag queen enquanto fazem crossfit ou estão em uma festa infantil. Ele teve a inspiração, o momento eureca em que descobriu que o que estava faltando era fazer música que alcance todo mundo, pois são essas pessoas que ele queria alcançar, não iria conseguir em um sarau.
Ele se empenhou em estudar o mercado musical e entendeu que o funk é uma potência no cenário pop brasileiro, além de ter um quê de resistência muito sério, é a linguagem do povo. É um patrimônio nacional, se encontra até remix internacional de funk atualmente. Em suas músicas, Kaique relaciona o estilo musical com o debate de gênero, pois o funk tem um pé, (se não o corpo inteiro) na sexualidade e infelizmente, sua grande maioria reproduz falocentrismo e machismo. Para ele, ‘’ser um cara trans e fazer questão de falar da minha buceta com um batidão atrás é conseguir fazer com que a minha existência chegue ao saber de uma galera que ta acostumada com um mundo que homem é piru e mulher é buceta.’’
O seu último lançamento foi “Dom 150”, que saiu no canal Funk Hits, o mesmo da Jojo Toddynho e outros artistas atuais e tem mais de um milhão de inscritos. Quantas pessoas ali já tiveram contato com a transsexualidade? Muitas pessoas nos comentários se perguntam por que um homem está cantando “chupa meu bucetão” e Kaique acredita que as pessoas não vão passar por esse processo de desconstrução se não for jogado na cara delas a existência de pessoas trans.
Nos seus estudos autodidáticos, Kaique também percebeu que nos clips de funk sempre tinha muitas mulheres no plano de fundo, com um padrão esquelético e apenas rebolando. As mulheres na maior parte do mundo do funk, não apareciam de outras formas além de sempre serem mulheres cis, magras e exalando heterossexualidade. Ele vê uma necessidade urgente de representatividade, pois quando você vê outras pessoas como você, você se reconhece. Percebe que não é uma coisa estranha, um bicho de sete cabeças. Para ele, não é mais do que sua obrigação como uma pessoa trans, que está alcançando um lugar na sua carreira, colocar outras pessoas de minorias nos seus clipes.
Como meta de carreira, Kaique Theodoro espera levar para fora do Brasil o seu corpo moldado a praça seca, fazendo barulho e quebrando padrões internacionalmente.