Por volta dos anos 2010, a Praça João Pessoa, na Lapa, ficou conhecida pelo nome do bar que ficava sempre aberto, rompendo a madrugada. Confesso que já cheguei no Bar da Cachaça às 19 h e saí às 10 h da manhã do dia seguinte, indo direto pro trabalho, com apenas uma passada na Praia do Flamengo para renovar as energias. Em plena quarta-feira, o Centro da cidade fervia ininterruptamente. No final de qualquer noite, todos acabavam no mesmo lugar.
Em 2015, a Praça João Pessoa perdeu seu principal atrativo: os enormes bancos de concreto, que uniam pessoas de várias gerações. Diferentes ideologias eram debatidas até a raiar do sol. Mesmo sem nenhum dinheiro, era possível se sentar e admirar uma boa poesia ou ser surpreendido por uma fanfarra holandesa com estudantes em intercâmbio, sem esquecer da capoeira que sempre rolava entre os frequentadores dos bares e os moradores de rua. Amores impossíveis aconteciam aos montes. Não havia diferença de classe social. Damas e vagabundo exerciam a democracia plena.
No tempos dos bancos, eu sempre comprava nos camelôs. Lembro do cara que vendia caipirinha e cantava rap, um moleque maneiro que sempre fortalecia. Mas, depois da destruição dos bancos de concreto, vimos a invasão de mesas e cadeiras da iniciativa privada, impedindo que pessoas sem dinheiro possam frequentar o espaço. A praça pública virou uma extensão dos bares. Só senta na Praça João Pessoa quem consumir neles. E os preços são exorbitantes. No primeiro Sarau do Escritório de 2015, houve ato de repúdio pela retirada dos bancos de concreto. O Cadeiraço trouxe discussões sobre o processo de higienização e gourmetização do bairro.
Através do Sarau, houve uma busca da identidade cultural da região, oferecendo visibilidade para artistas de todo o Estado (e de fora também). O Sarau do Escritório sempre homenageia personalidades , muitas vezes anônimas, mas importantes para a cultura popular carioca. Recentemente, o falecimento da liderança transexual Luana Muniz mobilizou artistas e frequentadores da região, que iniciaram um movimento de retomada do território e da identidade cultural da Lapa. A ideia era rebatizar a Praça João Pessoa, para Praça Luana Muniz – “A Rainha da Lapa”. Luana foi uma liderança transexual reconhecida por suas aparições na mídia e principalmente na Lapa, onde acolheu travestis e moradores de rua.
Do outro lado da cidade, desde o dia 29 de maio a Ação Local Espaço Cultural Viaduto de Realengo batalha por um abaixo-assinado que pretende rebatizar a rua sob o Viaduto Jornalista Aloisio Fialho como Rua Walter Fraga. Walter Fraga, o Waltão, era um famoso luthier e violonista da região. Há três décadas, trouxe para Realengo a cultura do choro. Conhecidos entre os músicos da vanguarda, Waltão produzia cavacos, violões, bandolins e violão. Em sua casa, realizou inúmeras rodas de choro. Contador de histórias, aconselhava nomes conhecidos no cenário musical como Jorge Aragão, entre outros.
Ou seja, no Centro ou na Zona Oeste, a luta é mesma. Em um cenário político em que as autoridades estão abandonando a população, os artistas estão se mobilizando para a retomada de territórios culturais. A praça é do povo e a rua é nós!