“O homem só existe para ser ultrapassado.”
(Nietzsche – ‘Assim falava Zaratustra’)
Temos uma população invisível se movendo nos subterrâneos sociais como um rio de larvas ardentes sem rumo, perdendo sua forma a cada curva e se refazendo ou se dividindo sem uma direção definida. Difícil é a caminhada em busca da cidadania. Tortuoso é o caminho de volta ao convívio social. Dolorosa é a desterritorialização do sujeito enquanto preso.
O trabalho de recondução e reeducação do homem preso não é um trabalho inócuo. É uma tarefa dantesca oferecer possibilidades para o homem se reconstruir, mas a resposta final é libertadora. Vivem sinuosamente buscando rumos e identidades, tentando como seres errantes se recompor a cada momento, sinalizando de forma constante que são seres possíveis.
Essa população invisível, que é o preso e a sua família, seres destituídos de identidade social positiva, vive à margem das grandes certezas, são vistos como refugo. Quando são percebidos no contexto social, ainda que invisíveis, vivem nas fronteiras da casualidade, da razão e do tempo, sujeitos de uma história sem final definido, em que o direito de volta à convivência social soa como uma ode ao mal.
São seres em busca de suas verdades, exorcizando os seus medos, refazendo-se todo dia como fênix para não se pulverizarem diante da não-aceitação dos seus semelhantes.
Somos todos seres duais, bons e maus, alegres e tristes, fortes e fracos, possíveis e impossíveis. Carregamos em nós todos os males e todas as glórias.
O sistema carcerário, se assim o quisesse, utilizando as ferramentas necessárias poderia oferecer ao cidadão preso um local de resgate interior, de encontros possíveis consigo mesmo, de descobertas de potencialidades, de reflexões profundas, de escolhas diferenciadas, de novas opções e possibilidades.
É necessário perceber essa população que, a seu modo, pede socorro, pede urgência em se tornar possível. É necessário exercitar a tolerância e a percepção do bem em meio ao caos para que possamos construir uma interface com o que não conhecemos, para que possamos avançar como seres solares, iluminados pela luz do conhecimento.
Nômades, desenraizados e desterritorializados, buscamos, contra a correnteza, alcançar novas possibilidades sociais. Querem ser desmistificados, descodificados. Não querem se cristalizar como seres excluídos e marginalizados pelo sistema. Querem sensibilizar os incrédulos, querem firmar parcerias e intersecções positivas, intercambiar conhecimentos.
Familiares e presos vivem andando de leve em areia movediça, buscando a cada passo a tranquilidade devida para não afundar, para que não nos desviem do caminho que nos reconduzirá ao respeito social.
Todos, presos e suas famílias, fazem parte do contexto histórico do país ao qual pertencemos. Todos contribuem, de sua forma, para construir uma identidade histórica e, tanto quanto quaisquer brasileiros são raízes matriciais deste país. Devem, através do Estado, obter ferramentas que os capacitem e os preparem para contribuir e participar da construção de um país melhor e de aprender uma nova forma de se relacionar com a sociedade.