Nos primeiros anos deste século, alguns estudantes de arquitetura americanos tiveram que localizar no mapa as principais construções iraquianas, entre elas museus, palácios e a famosa biblioteca em Bagdá, com 1500 anos de história de todo o mundo árabe. Entregue ao Pentágono, aquele aparente trabalho acadêmico serviu para destruir as construções, o que pode não ter tido muita importância do ponto de vista militar, da ocupação do país, mas teve forte impacto sobre sua gente, a autoestima, o moral e contribuiu para o aniquilamento da nação cuja história remonta aos tempos do Velho Testamento.
Não é novidade este tipo de ação de guerra, são conhecidos os saques de oficiais alemães na segunda guerra às coleções de arte francesas, sobretudo às particulares de judeus ricos e influentes. É ensinamento da Bíblia, também, que tudo que não for despojo de guerra deve ser destruído, o inimigo tem de ser aniquilado por completo. Há milênios os exércitos matam populações civis, em especial velhos e crianças, ou seja, memória e futuro. Nos tempos atuais, mais do que antes, destruir a história e a cultura é meio caminho andado na ocupação do território, a custos razoáveis e com efeito devastador.
A eliminação física continua importantíssima, é verdade, vide Kadafi, Saddam e outros não conhecidos do público, mas estelares na constelação das guerras por petróleo e gás. Estas pessoas, identificadas e localizadas, são alvo certo para armas sofisticadas que os poderosos empregam cada vez com maior desenvoltura e impunidade. Quando Secretária de Estado de Barack Obama, Hillary Clinton certa vez sugeriu que a CIA matasse Julian Assange com um ataque de drone para acabar com o WikiLeaks: “Can’t we just drone this guy?”, perguntou então a loura fatal.
Veja bem, nada disso é teoria da conspiração nem delírio persecutório de latino-americano escaldado em golpes ao longo da história. É a vida real. Na Netflix há uma série documental intitulada “Wormwood” que trata do assassinato de um cientista da CIA em fins de 1953 por colegas que o atiraram pela janela do décimo terceiro andar do hotel em Nova York. Frank Olson trabalhava na criação de armas biológicas e estava convencido de que os Estados Unidos as empregavam na guerra da Coreia. Foi levado a tomar LSD e entrou em parafuso, tornando-se um perigo para a agência. São seis capítulos conduzidos pela narrativa de Eric Olson, o filho de Frank. Vale a pena.
Crimes assim os americanos promovem há séculos, como, aliás, os impérios em todas as épocas. Mas estes me interessam mais de perto porque inspiraram mortes suspeitas depois de 1964 aqui no quintal: Anísio Teixeira, Jango, Lacerda, Juscelino, Zuzu Angel e, segundo as más línguas, até o jornalista Sérgio Porto, que ridicularizava os militares no seu Febeapá, o Festival de Besteiras Que Assola o País. Mais recentemente atravessamos com uma espinha na garganta e uma pulga atrás da orelha os acidentes que vitimaram Eduardo Campos e Teori Zavaski, além de ouvirmos certo senador dizer que era preciso arrumar alguém para buscar o dinheiro, mas que pudessem matar antes da delação premiada.
É neste alto grau de incertezas e suspeitas que me debato e esperneio desde a noite de domingo, quando o incêndio devorou como boca do inferno o Museu da Quinta da Boa Vista. Que chamas imponentes! Que fogaréu majestoso! Deixou no chinelo o incêndio do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, em 2015, véspera do impeachment que já vinha a galope. Os eventos talvez não tenham relação entre si, mas uniram em lamentos impotentes vozes da intelectualidade, das letras e das luzes – a turma que vem perdendo a guerra desde então.