A Amazônia, conhecida pela sua exuberante biodiversidade, também enfrenta uma dura realidade quando se trata de fome e insegurança alimentar. Segundo especialistas, a região tem sido invadida pelo capital financeiro, que centraliza os recursos naturais e impede a circulação de alimentos da floresta que historicamente era de acesso coletivo.
De acordo com a professora universitária Márcia Oliveira, apesar de sua riqueza natural, cada vez mais a Amazônia vem sendo invadida pelo capital financeiro, que centraliza os recursos naturais e não permite a circulação de alimentos da floresta que historicamente era de acesso coletivo.
“As populações ribeirinhas, por exemplo, cada vez mais tem dificuldade de acesso ao território de várzea onde cultiva diversos alimentos para alimentação de boa parte do ano”.
Esses alimentos são abóbora, também conhecida como jerimum; batatas diversas; macaxeira, que produz farinha; feijão de praia; cheiro verde; melancia e milho. “Com a dificuldade de plantar as várzeas, os ribeirinhos reduzem a alimentação ao pescado que está cada vez mais reduzido e contaminado”, relata Márcia Oliveira.
Em terra firme, o mesmo problema
Os camponeses de terra firme, como seringueiros, quilombolas e outras comunidades tradicionais, há anos enfrentam conflitos socioambientais na disputa pelos alimentos da floresta. Entre eles, açaí, castanha, bacaba, buriti, tucumã e jatobá.
Segundo Márcia Oliveira, “o grande capital vem se apoderando dos territórios e expulsando as populações locais, impedindo seu acesso aos alimentos coletados em escala industrial para servir ao mercado“.
Nesse cenário, a professora ainda ressalta que a produção de subsistência está cada vez mais ameaçada. “O incentivo à agricultura familiar em pequenos territórios desapareceu nos últimos anos. Muitos camponeses produzem, mas, não tem condições de escoar alimentos como banana, abacaxi, cupuaçu, caju…”, salienta.
Estrutura fundiária e mudanças climáticas
Nesse cenário, Dom Ionilton, Bispo da Prelazia de Itacoatiara, traz à tona a temática da Campanha da Fraternidade de 2023. “O texto base aponta que as causas da fome estão relacionadas à questão da estrutura fundiária do Brasil. Isso porque nosso território, desde que os europeus chegaram, passou a fazer uma organização fundiária muito desigual, pouca gente com muita terra e muita gente com nenhuma ou pouca terra”, diz.
Em outra esfera, Carlos Alberto, professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR), fala sobre a relação entre as mudanças climáticas e a insegurança alimentar. “As mudanças climáticas têm um impacto significativo na segurança alimentar em todo o mundo. As alterações nos padrões climáticos, como secas prolongadas, inundações, frio intenso, calor intenso e outros eventos extremos, afetam a produção e a disponibilidade de alimentos. Além disso, as mudanças climáticas podem levar à degradação do solo, a perda de biodiversidade, e outros impactos negativos na agricultura”, diz.
De acordo com o especialista, as alterações climáticas possuem a capacidade de agravar a insegurança alimentar, sobretudo em regiões vulneráveis como as nações em desenvolvimento e comunidades rurais. A diminuição na produção de alimentos acarreta o aumento de preços e na redução da disponibilidade, resultando em fome e desnutrição.
Municípios da Amazônia sem estrutura
Segundo o Sistema de Informações e Análises sobre Impactos das Mudanças Climáticas (Adapta Brasil), mais da metade dos municípios da Amazônia Legal não possuem condições e estruturas mínimas para enfrentar as consequências da crise. Para o professor Carlos Alberto, as mudanças climáticas têm afetado de maneira significativa a produção e a disponibilidade de alimentos na região.
“Falta a acesso à água potável, energia elétrica e saneamento básico. Isso amplia a vulnerabilidade das comunidades locais porque essas condições são essenciais para garantir a segurança alimentar, o acesso a alimentos saudáveis e para a promoção de práticas agrícolas sustentáveis”, explica.
Ainda dentro da Amazônia, Carlos Alberto diz que o aumento da fome é um problema amplamente discutido em nível nacional e internacional devido a diversas variantes, como a questão fundiária.
“A insegurança alimentar grave tem crescido em todo o território nacional, afetando populações rurais da Amazônia. Agricultores familiares, ribeirinhos, quilombolas e indígenas, que já possuem uma elevada condição de pobreza (algo que necessita de uma visão mais localizada, pois muitas vezes o que os índices sociais apontam como pobreza, na verdade são modos de vida distintos daqueles das áreas urbanas de uma cultura ocidentalizada)”.
O que é insegurança alimentar?
A insegurança alimentar não é apenas uma questão de quantidade de alimentos, mas também de qualidade e diversidade nutricional. Os agricultores familiares, muitas vezes, têm uma dieta limitada e monótona, com pouca variedade de alimentos e nutrientes essenciais.
Isso pode levar a problemas de saúde e nutricionais a longo prazo, especialmente aqueles agricultores que se transformaram em trabalhadores para o capital e precisam se especializar em uma, duas ou três culturas diferentes e vendem tudo para o mercado. Com isso, perdem a diversidade alimentar, que era algo tradicional da agricultura de base familiar.
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