Isolamento social x inclusão digital dos idosos na pandemia

Maria Francisca, Bairro Céu Azul B. Créditos: Erlaine Grace

A inclusão digital de idosos das favelas e periferias é ainda mais necessária em tempos de isolamento social. Com os atendimentos presenciais suspensos, órgãos públicos e algumas entidades estão atendendo apenas on-line. A população mais velha é grande, e poucos conseguem acompanhar o contexto atual. Só no bairro Céu Azul, região norte de Belo Horizonte, são 913 pessoas com idades entre 60 e 64 anos, e 614 de 65 a 69 anos. Na capital são 53.404 idosos na faixa de 70 a 74 anos.

O aposentado Luiz Moreira, 70 anos, não está recebendo as parcelas do IPTU via Correios e por isso foi até o BH Resolve, órgão da Prefeitura. Somente quando chegou lá se lembrou que não está funcionando por causa do coronavírus. Ligou para o local, mas sem sucesso. “Voltei pra casa e liguei pedindo minha filha pra olhar pra mim. Ela retornou uns 30 dias depois dizendo que mandaram a fatura integral pelo e-mail, mas o combinado com eles foi pagar parcelado”, comenta Luiz.

Ele tentou acessar o site da prefeitura e depois de ficar o dia todo tentando usar o computador, viu que tem um único boleto no site. Mesmo se as faturas estivessem separadas, ele não teria como imprimir para fazer o pagamento. “Depois de estudar muito, eu mesmo entrei na internet, mas é tudo muito confuso, a gente não acha exatamente o que quer. E eu pensei que eles iam cumprir com o combinado deles. Fui lá pessoalmente, fiz o acordo e eles não estão cumprindo com a palavra, agora vou ter que pagar juros”, desabafa Luiz Moreira. A prefeitura de Belo Horizonte não respondeu à reclamação.

Luiz Moreira, Bairro Céu Azul. Crédito: Erlaine Grace
Luiz Moreira, Bairro Céu Azul.
Crédito: Erlaine Grace

Para Maria de Fátima da Cruz, 60, autônoma, a internet é muito complicada para usar, e ela não confia em digitar seus dados por causa de clonagens. Mesmo assim, se tivesse acesso à internet teria evitado a exposição no banco e a fila de espera por causa do acúmulo de pessoas solicitando informações sobre o Auxílio Emergencial. “Eu tive que ficar seis horas na Caixa Econômica para consertar um cadastro que estava errado. E eu não peço ninguém, eu sou sozinha. Se tiver que resolver alguma coisa pela internet eu prefiro não resolver”, declara. A Caixa informou que casos especiais são resolvidos pessoalmente nas agências.

Maria de Fátima Cruz, Comunidade Dandara- Crédito: Erlaine Grace/ANF

Mesmo antes da pandemia da Covid-19, Maria Francisca, 69, aposentada, não fazia nenhuma solicitação por meio virtual. “Não sei nada de internet, mas tenho sorte de ter minhas sobrinhas pra resolver essas coisas, mas conheço muita gente que não tem ninguém pra ajudar e fica prejudicado”.

Segundo o pedreiro José Adilson Ávila, 51, dentro da comunidade tem muita gente que nem conhece esse mundo digital e se sente como se fosse um povo à parte. Ele relata que precisou receber o Auxílio Emergencial, mas não teve paciência para ficar horas na Caixa e não tem celular para baixar o aplicativo. “Mesmo se eu tivesse o telefone, eu não ia levar jeito pra mexer com isso, é complicado para usar e acabei deixando pra lá, não voltei mais”, diz José.

José Adilson Ávila, Comunidade Dandara- Crédito: Erlaine Grace/ANF

Já Maria Pereira, 66, aposentada, confessa que até sabe acessar alguma coisa, mas acha demorado e prefere fazer tudo pessoalmente. Ela conta que precisou resolver muita coisa pela internet durante a pandemia, mas precisou também ir até sua agência bancária porque não recebeu uma conta. Foi então que descobriu que o recebimento seria apenas por e-mail.

“Sorte que me atenderam na pandemia, mas se eu não batesse o pé, não iam me dar a conta não. Queriam que eu pegasse num e-mail que nem conheço mais e imprimisse, sendo que nem tenho impressora. Só que isso não está certo. Eu sou do grupo de risco e poderia ter evitado sair de casa por causa de uma coisa simples”, reclama Maria Pereira. O Banco Santander informou que disponibiliza as faturas via e-mail ou repassa o código de barras por telefone para o cliente efetuar o pagamento quando os Correios não enviam as faturas.

Maria Pereira, Bairro Céu Azul- Crédito: Erlaine Grace/ANF

Maria conta também que não recebeu as contas de luz e de água, tendo que ir pessoalmente às empresas responsáveis. Mesmo assim, não conseguiu ser atendida. “Tive que amolar meus filhos, eu não gosto disso. Eles moram longe e têm os compromissos deles, os problemas deles pra resolver, não acho justo ficar incomodando”. A Cemig e a Copasa não responderam às reclamações.

Maria enfatiza, ainda, os cursos da terceira idade que fazia e que hoje são oferecidos on-line. “Eu não acho graça nenhuma ter aula pela internet. Eu ia fazer exercícios pra ver os colegas, as pessoas da minha idade, conversar, interagir. Em casa sozinha não dá gosto de fazer nada. É uma solidão maior pra gente, que além de ter que ficar preso, não tem a agilidade e disposição pra distrair na internet igual o jovem faz”.

O Banco Santander informou que disponibiliza as faturas via e-mail, ou o cliente pode ligar pedindo o código de barras para efetuar o pagamento, quando acontece dos Correios não enviarem as faturas. A Caixa Econômica Federal respondeu que casos especiais são resolvidos pessoalmente nas agências. A Prefeitura de Belo Horizonte, Cemig e Copasa não responderam sobre as reclamações.

Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative: https://newsinitiative.withgoogle.com/intl/pt_br/journalism-emergency-relief-fund/

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Erlaine Grace
A paixão por escrever veio quando aprendi a ler meu nome e peguei num lápis pela primeira vez. A necessidade de registrar tudo em palavras existe muito antes de eu aprender no Jornalismo e em Letras , quais são os gêneros textuais e como são os formatos de cada texto. Atuei como Assessora de Comunicação na área cultural e trabalhei com o jornalismo impresso. Sou amante do rádio e aspirante da TV. No jornalismo on-line encontro a oportunidade de explorar todas as áreas da minha formação, agregando todos os formatos de mídia num só lugar. Para mim, a felicidade plena de um ser humano acontece quando ele tem a possibilidade de ser livre para ser o que nasceu pra ser, dando vida ao dom natural que cada um tem, e praticando o que vem da própria essência.