“Está tudo em paz”. Foi a frase mais ouvida ontem, ao longo da tarde, por toda a favela do Jacarezinho, como uma declaração de alívio. Os dois dias de angustia e de tensão, que antecederam a ocupação policial, marcaram profundamente os moradores e os amigos da comunidade. Todos souberam da mega operação militar pelos jornais e as dúvidas necessárias se fizeram presentes, sem respostas, torturando todos.
De fato o clima na comunidade após a ocupação era de muita calma. Contribuiu para isso o que já havia ocorrido em outras favelas. Sabendo da ocupação por antecedência e sem nenhuma chance contra blindados, o próprio tráfico se retirou deixando becos e vielas abertos e vazios às forças de segurança. Por parte da polícia, nesse caso a civil, foi categórico o respeito e a educação aos moradores nesse primeiro contato. Nenhum arrombamento, nenhuma invasão domiciliar ou agressão física nos foi relatado. Essa era a nossa principal preocupação e era impossível num momento que antecede a operação, não lembrar de centenas de casos de abusos policiais, casos grotescos como ocorreram no Complexo do Alemão, onde além das denúncias de roubos relatadas por moradores, ainda tivemos o lamentável episódio dos “espólios de guerra” onde “Rambos” abrasileirados e mais selvagens que o original, roubavam dos criminosos locais.
Várias dúvidas continuam a permanecer e os moradores ficam sabendo das informações só através da imprensa. Parece que a ocupação vai durar apenas alguns dias, apesar da impressão de que nada será como antes. Favelas vizinhas vão permanecer ocupadas, UPPs serão inauguradas, uma Cidade da Polícia surgirá nas imediações do Jacarezinho e a força policial será mais ostensiva. Em primeiro lugar é fundamental a permanência do respeito ao universo cultural e social do Jacarezinho. O respeito aos moradores, seus domicílios e as suas atividades culturais, artísticas, sociais e políticas. As livres manifestações de pensamento, de opinião, de organização político e cultural são os elementos que destacam e fortalecem o Jacarezinho na nossa cidade. Em segundo lugar continua sendo favela com ou sem polícia. O Estado só entra nas comunidades com políticas de segurança e de controle social. As constantes violações de direitos humanos permanecem no Jacarezinho com os enormes lixões, a falta de saneamento básico, as habitações precárias, a pouca oferta de atendimento de saúde e com a falta de educação com qualidade e de lazer para crianças e jovens. Nesse sentido, se faz urgente um grande plano de obras e projetos que modifiquem os espaços degradados por décadas de abandonos. Os governos devem ouvir os moradores e as lideranças comunitárias e, esses, que devem opinar e decidir sobre os investimentos e as possíveis mudanças.
Nas principais ruas do Jacarezinho, poucas horas depois da ocupação total da favela, e como já era esperado com o “gatonet” saindo do ar, dezenas de jovens com camisas e pranchetas da “Sky”, já ofereciam o serviço de televisão a cabo. As empresas são muito rápidas em obter vantagens e lucros. Sabemos que vários serviços serão cobrados, outros poderão sofrer reajustes nos preços, mas não podemos esquecer que a localidade é uma favela e que seus moradores são pobres. Nesse sentido será urgente a prestação de serviços gratuitos e outros condizentes com a situação financeira de cada um.
Por fim, ontem a noite, quando voltava descendo a Gracindo de Sá, um dos principais acessos à favela, me deparei com o caveirão subindo na minha frente fazendo muito ruído e com muitas luzes fortes. Em alguns pontos, como na saída para a Dom Helder Câmara, muitos policiais, vestidos de preto e no escuro, se posicionavam fortemente armados. É fundamental, num momento em que o morro está tranquilo, dar início à desmilitarização e fortalecer um ambiente de calma, autonomia, paz e controle aos moradores. Precisamos avançar de um ambiente de escuridão, de trevas, para uma boa iluminação pública em todas as entradas , ruas e vielas da favela.