O deputado federal Ivan Valente, do PSol paulista, quer que o Planalto detalhe a agenda da visita presidencial à Índia, no final de janeiro. Mesmo que a divulgue em detalhe, não vai informar se houve reunião com representantes da indústria armamentista internacional em Deli. Ou, se cismar, no melhor estilo Bolsonaro dirá “Teve reunião sim, que que tem, ora?! Brasil acima de tudo, porra!”
O partido do deputado, diga-se, é uma pedra no coturno de Bolsonaro. Agora mesmo o PSol acionou as instâncias das Nações Unidas que tratam de violência contra a mulher porque o presidente brasileiro declarou que não é preciso dinheiro para defender as mulheres do feminicídio.
O que será preciso, então? Segundo ele, “não é dinheiro e recurso apenas. É postura, mudança de comportamento que temos que ter no Brasil. É conscientização.” Como se dará esse processo o presidente não esclareceu. Pendurando os agressores no pau-de-arara para que aprendam a lição? Afastando as mulheres do convívio social?
O presidente não disse, mas pela nota 10 que atribuiu à ministra Damares Alves nesta questão posso garantir que o problema não será solucionado – não será nem encarado. Como quer fazer na ilha de Marajó, Damares vai distribuir calcinhas às agredidas e mandar que orem ao pé da goiabeira mais próxima.
Num país em que uma mulher é agredida a cada quatro minutos e sobrevive, nada do que este governo pensa é consolo. Em 2018 foram registrados mais de 145 mil casos de violência física, sexual, psicológica e outras em que as vítimas sobreviveram.
E a ministra acha que as meninas marajoaras são violentadas porque são paupérrimas, não usam calcinhas e daí se tornam coitadas literais. Ela não sabe que seus pais as vendem por qualquer dinheiro ou um prato de comida. A ministra e o presidente não conhecem o chão que não pisam, não sabem de nada, inocentes…
O presidente quer armar o povo para se defender do crime fingindo não saber que os criminosos são os que têm dinheiro para se armar; não o cidadão comum vítima da violência. Quer desmanchar a imagem do Brasil de país da paz e do diálogo construída desde D. Pedro II.
A turma no poder entende e apoia como fiel cão de guarda o imperialismo americano. Acha um absurdo, um atraso sem medida, não estarmos no combate ao terrorismo internacional, nem sermos alvos de grupos estrangeiros contrários aos Estados Unidos.
Em março do ano passado, portanto três meses após a posse, Bolsonaro visitou os Estados Unidos e esteve na sede da Central Intelligence Agency, a CIA que não deixa o mundo dormir uma noite em paz desde a segunda guerra.
Parece pouco, mas foi o primeiro presidente estrangeiro a visitar a agência em Langley, na Virgínia, e ainda por cima acompanhado do filho Eduardo e do lacaio Sérgio Moro. Foi uma verdadeira confraternização, um encontro de afinidades e interesses com palavras ditas ao pé do ouvido em tom de confidência.
Na ocasião, muito embora a visita não constasse das agendas brasileira ou norte-americana, Eduardo Bolsonaro estufou o peito e postou no tuíter: “Indo agora com o PR @jairbolsonaro e ministros para a CIA, uma das agências de inteligência mais respeitadas do mundo. Será uma excelente oportunidade de conversar sobre temas internacionais da região com técnicos e peritos do mais alto gabarito”.
O vazamento da visita fora da agenda pelo próprio filho do homem pode ter causado surpresa aos espiões americanos, reis do disfarce e do anonimato, das versões incríveis e dos atentados surpreendentes, como ainda agora na explosão do general iraniano Qassim Suleimani em Bagdá. Devem ter dito entre sorrisos nervosos: “Isso é que fogo amigo, o resto é bullshit”.
Ou, analisando por outro ângulo, os gringos autorizaram e até incentivaram Eduardo a tuitar a visita só para não vir à tona o seu verdadeiro motivo, que foi inaugurar a foto de Sérgio Moro na galeria dos melhores funcionários estrangeiros da CIA em toda a década.
Os esforços brasileiros para se inserir e mesmo liderar o conjunto de nações conservadoras e reacionárias bate de frente com interesses muito mais poderosos, que estavam por trás da derrubada de Dilma Rousseff e estão por trás da eleição de Jair Bolsonaro e alguns governadores como o imbecil de Rondônia, que manda recolher livros quando deveria espalhá-los.
A verdadeira direita endinheirada já percebeu faz tempo que este capitalismo selvagem não levará ao desenvolvimento de mercados internos fortes o bastante para sustentá-la. Leia qualquer texto que Armínio Fraga assina na Folha de S. Paulo e você entenderá com clareza por que a direita inteligente não apoia Bolsonaro.
Armínio foi presidente do Banco Central de Fernando Henrique Cardoso e pupilo de George Soros, mega investidor bilionário nascido na Hungria em agosto de 1930. É o fundador e financiador da Open Society Foundation e suas doações em iniciativas civis para reduzir a pobreza e aumentar a transparência e em bolsas de estudo e universidades em todo o mundo totalizaram 12 bilhões de dólares, em números de 2017.
George Soros se opõe a Trump e seu modelo político e administrativo e acaba de criar um fundo de um bilhão de dólares para combater ditaduras onde quer que surjam. É tido como força progressista mundial e uma águia na detecção de oportunidades de ganhar dinheiro honestamente no mundo financeiro.
Esta direita progressista é inexpressiva no Brasil, país subdesenvolvido em que as instituições estão historicamente submetidas aos caprichos de uma elite retrógrada e um exército anacrônico. Mas é ela que está inflando a figura de Luciano Huck, self-made man televisivo que explora o assistencialismo em seu caldeirão semanal.
Neste caldeirão pretendem cozinhar todos nós e contam com com a inestimável e imprescindível colaboração tanto de Bolsonaro e seus capitães do mato milicianos quanto da oposição a eles, como o PSol de Ivan Valente, o PT e outros que ainda tentam assimilar o golpe na democracia que assiste, passiva, aos seguidos atentados cometidos pelo governo.
Não tem maior importância, portanto, o pedido de informações do deputado Ivan Valente à presidência da república, como sequer tem importância o fato de ter havido ou não a reunião com a indústria de armas na visita à Índia. Aliás, ouso afirmar que reveladora de verdade foi a sequência de fotos de Bolsonaro diante do Taj Mahal…o resto foi passeio.