O governador João Dória trilha senda política própria e em velocidade compatível com a contemporaneidade. De origem publicitária como o pai cujo nome carrega, o Júnior viveu infância de extremos, riqueza e pobreza. Seu pai era deputado federal pelo PSD, apoiava o presidente João Goulart e as reformas de base propostas e foi cassado no primeiro Ato Institucional, logo depois do golpe militar de 1964. Procurou asilo na embaixada da então Tchecoslováquia em Brasília, de onde partiu para São Paulo e em seguida Paris.
Estudou psicologia na Sorbonne, sustentando a família com a venda de uma a uma das pinturas de Di Cavalcanti de sua coleção durante dois anos a partir do golpe. Quando o dinheiro acabou, mandou a família de volta e ficou pela Europa até o fim da pena de 10 anos de perda dos direitos políticos imposta pela ditadura, em 1974. Como vários liberais, o ex-deputado também foi chamado de comunista, situação que se repete nos dias de hoje com quem não reza pela cartilha do governo federal.
João Dória Jr, o empresário governador de São Paulo, se lembra bem de todos os altos e baixos, sobretudo destes últimos, que viveu com a mãe e o irmão no regresso, quando Maria Sylvia montou fábrica de fraldas de pano numa garagem em Pinheiros e empenhava e resgatava seguidamente as poucas joias que tinha na Caixa Econômica Federal. “Eu me lembro de toda vez que ia com a minha mãe para a Praça da Sé renovar o empréstimo na Caixa para pagar a conta de luz e comprar a pouca comida que tínhamos em casa.”
Este introito que já se faz extenso pode dar a impressão ilusória de elogio a Dória, mas não passa do pano de fundo para justificar as dificuldades que ele enfrenta na política. O governador paulista não é um arrivista, como Wilson Witzel no Rio de Janeiro, e Ibaneis Rocha no Distrito Federal; ele tem história política de família empresarial bem sucedida em seus negócios. Seu pecado é de vocação.
A história do baiano João Dória, seu pai, é semelhante à de muitos políticos e empresários que acreditavam no Brasil capitalista, burguesia nacionalista sólida, nação progressista. Gente perseguida pelos militares da ditadura por suas ideias e seu sucesso, como Mário Wallace Simonsen, dono da TV Excelsior do Rio e de São Paulo e da aérea Panair do Brasil, empresas levadas à asfixia econômica, e como Niomar Moniz Sodré Bitencourt, herdeira do Correio da Manhã do marido Paulo Bitencourt, o jornal que contribuiu para derrubar o governo democrático para logo a seguir combatê-lo até sua própria extinção.
Um dos seus editorialistas à época do golpe, o jornalista Carlos Heitor Cony, confessou em depoimento biográfico sua decepção com o novo regime que tinha ajudado a instalar-se: “Nos dias seguintes, quando vi as caras de quem estava feliz pela vitória da ditadura percebi o erro que tínhamos cometido”. Mas aí já era tarde para arrependimentos, a noite de 21 anos apenas começava, como constatou Cony, ao mencionar em artigo no Correio a última travessura de Doria antes de viajar, ao “editar” um AI-2 que estabelecia o seguinte no artigo primeiro: “A partir desta data, o Brasil deixa de ser Estados Unidos do Brasil e passa a ser Brasil dos Estados Unidos”. O deputado cassado foi para a Europa e o jornalista para a cadeia.
Da mesma forma e seguindo o modelo imposto de fora, militares, profissionais liberais, outros políticos e empresários foram expurgados do Brasil Grande instruído e treinado na inteligência dos Estados Unidos, como vimos na Operação Lava Jato e a espantosa mediocridade à que deu luz com Sérgio Moro e a força tarefa de Power Point. Este Brasil que aí está é “a volta a 50 anos atrás” prometida na campanha por Jair Bolsonaro. Portanto, João Dória Júnior se prepare para o pior, porque precisará de muito mais do que punir policiais criminosos em seu estado para se qualificar a opção do sistema ao atual presidente miliciano. O buraco é bem mais embaixo (e antigo), como ele deve saber desde tenra idade.