Primeiro livro da diretora da Redes da Maré, Eliana Silva, será lançado no dia 23 de agosto, quinta-feira, às 19h, na livraria Argumento – Rua Dias Ferreira, 417 – Leblon.
 

“Como em todas as eleições anteriores, eu estava diante da antiga casa de meus pais, em Nova Holanda, comunidade da Maré onde residi por 25 anos. A casa fica em frente a uma escola municipal, onde estudei na infância e que, em dias de eleição, funciona como uma importante zona eleitoral.

 Já passava de meio-dia e meia quando surgiram, de modo abrupto, na rua Principal de Nova Holanda, duas viaturas tipo “Blazer” da Polícia Militar, mais conhecidas como “camburões”. Apesar de não haver qualquer sinal de problemas no local, as viaturas passaram velozmente, atirando a esmo e cantando os pneus. As pessoas estavam reunidas na rua: algumas conversando, como era o meu caso, outras jogando baralho ou fazendo churrasco na porta de casa naquele domingo de eleição. Todos se assustaram e correram para buscar abrigo nas casas ou comércios mais próximos.

 Consegui me abrigar numa farmácia e, de lá, assisti a uma cena dramática: uma criança de 3 anos de idade, agarrada à mão da avó, foi atingida na barriga por uma bala justamente no momento em que os policiais passaram atirando sem olhar para o que havia na frente.”

 É com este relato, transbordante de realidade e emoção, que Eliana Silva inicia o seu primeiro livro Testemunhos da Maré– obra que mescla depoimentos em primeira pessoa, fragmentos do cotidiano da comunidade, entrevistas com personagens que constroem o dia a dia da Maré e dados de uma pesquisa inédita realizada pela autora. Com curadoria de Heloísa Buarque de Hollanda, o livro faz parte da coleção Tramas Urbanas, da Aeroplano Editora

Ao ter como ponto de partida a sua tese de doutorado em Serviço Social pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Eliana Silva expõe em Testemunhos da Maré as contradições existentes no território – notadamente no que diz respeito à garantia de segurança para os seus moradores.

O resultado é um vigoroso documento que não só problematiza e analisa a questão da segurança pública em seus mais variados matizes, como apresenta propostas e aponta soluções que passam, prioritariamente, pelo aprofundamento da noção de cidadania e garantia de direitos aos moradores destes territórios.

Estas características já fariam de Testemunhos da Maré, por si só, um livro fundamental para compreender a realidade das favelas cariocas e o fracasso de diferentes políticas de segurança implementadas nestas comunidades durante a história.

Mas Testemunhos da Maré vai além: a autora foi moradora da favela por quase três décadas e, como aponta o antropólogo e escritor Luis Eduardo Soares, no prefácio do livro, goza de autoridade pessoal para falar sobre o assunto:

“Quem seria capaz de realizar uma pesquisa ouvindo policiais, traficantes e membros da comunidade, em cujo território os dois primeiros costumam duelar? Quem teria autoridade humana e legitimidade social para transitar com liberdade, merecendo respeito de todos?

 Quem obteria salvo-conduto para cruzar zonas de guerra e atravessar as fronteiras que separam nichos de poder inimigos, em um mesmo território? Quem conquistaria a confiança da população, a ponto de colher depoimentos preciosos, furando o bloqueio do medo? Medo mais do que justificado, diga-se de passagem. Quem superaria com tamanha coragem o próprio medo e circularia entre personagens tão diferentes com tanta fidalguia?

 A resposta só poderia ser: alguém que, a par de competente intelectual, tivesse convivido toda a sua vida com os moradores, tivesse crescido com suas famílias, compartilhando a dor e o prazer de ser como os demais.

 Alguém que, por sua atuação ao longo de décadas, tivesse demonstrado, acima de qualquer suspeita, rigor ético na defesa de seus princípios, absoluta lealdade à comunidade e incansável disposição para o diálogo – equilibrando espírito de liderança e a humildade de quem se sabe membro de uma fratria.

 Alguém cuja palavra merecesse confiança e que valesse como moeda forte, inquestionável, para todos os grupos, todos os personagens de todos os quadrantes. Alguém cuja trajetória pessoal e política tivesse feito história e que, portanto, ao contar sua vida e rememorar acontecimentos, estaria escrevendo a história de sua cidade e de sua geração. Alguém como Eliana Sousa Silva.”

Sobre a autora

Diretora da Redes da Maré, Eliana Silva é paraibana, mãe de dois filhos e foi moradora da Maré por 28 anos. É doutora em Serviço Social pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e diretora da DIUC/UFRJ (Divisão de Integração Universidade e Comunidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro).