Comemoram-se hoje, 7, 14 anos de sanção da Lei Maria da Penha, que estabelece como crime a violência doméstica intrafamiliar. A Lei n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006, foi batizada em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, que ficou paraplégica em consequência dos maus tratos do marido durante anos.
Maria da Penha ficou paraplégica depois de um tiro de espingarda nas costas, no dia 29 de maio de 1983. À época, seu marido Marco Antonio Viveiros alegou que estava se defendendo de um roubo na casa onde viviam. Ao retornar do hospital, ainda em recuperação, o ex-marido tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho.
Em 1984, apesar das escusas de Marco Antônio Viveiros, o andamento das investigações se mostrou favorável a Maria da Penha e subsidiou o Ministério Público para que propusesse a denúncia.
Considerado um homem de temperamento violento, o professor de economia foi a júri em 1991, sendo considerado culpado. Todavia, os recorrentes recursos interpostos contra a decisão do tribunal do júri e a ausência de uma legislação mais específica, pronta a ser aplicada no caso concreto de violência doméstica, postergaram a prisão de Marco Antônio Herredia Viveiros. Ele foi preso 19 anos depois dos crimes e por apenas dois anos em regime fechado.
Em 1994, Maria da Penha escreveu o livro, “Sobrevivi, posso contar”, com a sua trajetória de dor e medo. O livro foi considerado pela autora como a sua “carta de alforria”, uma vez que tornaria sua passagem mais “palpável” diante dos tantos casos de violência doméstica existentes no Brasil.
Foi através da publicação de tal obra, que o CEJIL (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) tomou conhecimento do seu caso e resolveu formalizar denúncia, em 1988, em conjunto com a própria Maria da Penha e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, frente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (órgão internacional responsável pela análise de denúncias decorrentes de violações de acordos internacionais), ante a protelação injustificada de uma sentença definitiva no processo perante a justiça brasileira.
A denúncia peticionada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) conferiu notoriedade internacional ao caso “Maria da Penha” e permitiu o acirramento das discussões sobre o tema. Os peticionários basearam-se na legitimidade que lhes confere os a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Convenção de Belém do Pará. Alegaram para tanto violações aos artigos 1.º (Obrigação de respeitar os direitos), 8.º (Garantias judiciais), (Igualdade perante a lei), (Proteção judicial) da Convenção Americana; os artigos II e XVIII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, bem como os artigos 3.º, 4.º, a, b, c, d, e, f, e g, 5.º e 7.º da Convenção de Belém do Pará.
A partir dessa provocação, a CIDH, em 2001, publicou o Relatório n.º 54/2001 (caso 12051), que condenou o Brasil por “dilação injustificada” e “tramitação negligente. Em virtude dessas indicações e da grande pressão internacional o encerramento do processo ocorreu em 2002 e, em 2003, o ex-marido de Maria da Penha foi preso. Paralelamente, o presidente da República, acolhendo às recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sancionou, no dia 7 de agosto, o projeto de lei da Câmara n.º 37, de 2006.
A referida lei passou a vigorar no mês seguinte e dispôs sobre a criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8.º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. A nova legislação, que modifica a legislação nacional (Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal), requer a criação de Juizados de Violência.
A criação de uma legislação específica contra a violência doméstica e familiar reflete a importância dos Tratados de Direitos Humanos da Mulher, ratificados pelo Brasil, que são: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
Foi feita, ainda, uma análise dos principais instrumentos e organismos internacionais integrantes do Sistema Interamericano, na luta para a proteção a esses direitos. Em especial, realizou-se um estudo de como tem sido possível aos indivíduos, vítimas do desrespeito aos direitos fundamentais, peticionarem denúncias, diretamente, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e os aspectos formais de toda a tramitação exigida.
A Lei em comento, conhecida pelo nome de “Lei Maria da Penha”, representa uma conquista pessoal de Maria da Penha Maia Fernandes, na sua batalha por um direito capaz de assegurar-lhe, prontamente, respaldo jurídico; sobretudo, renova a esperança das várias ‘Marias’, vítimas diárias de agressões físicas, psíquicas e sexuais.
Os diversos tratados de direito internacional, ratificados pelo Brasil, demonstraram a tentativa de o país evoluir no que diz respeito à proteção dos Direitos Humanos. Foi por meio desses instrumentos que Maria da Penha Maia Fernandes pôde recorrer ao direito internacional (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) como última instância, a fim de conseguir alternativas jurídicas para o seu caso.
Ao peticionar a requerente a essa Comissão, o Estado brasileiro viu-se impossibilitado de continuar a dar um tratamento moroso e ineficiente para o caso. A pressão internacional, por meio de recomendações taxativas da CIDH ao Brasil, foi o embrião da Lei “Maria da Penha”, editada em 7 de agosto de 2006, contra a violência doméstica e familiar.
A nova Lei nº. 11.340/2006 foi uma conquista árdua e uma homenagem merecida à sua grande protagonista, a senhora Maria da Penha Maia Fernandez. De outro lado, reforçou a importância do direito internacional para a consolidação de valores mais humanos em nossas sociedades. Esse importante instrumento alcançará milhares de mulheres brasileiras, vítimas de violência doméstica e familiar, que se verão amparadas por um direito empenhado em assisti-las.
O papel da justiça, seja ela de âmbito interno ou internacional, não poderia ser outro, senão garantir a seus destinatários, todos nós, direitos fundamentais, adquiridos historicamente, em que pese sejam já intrínsecos à própria condição humana. A Lei reflete, assim, um avanço do direito internacional, visto com desconfiança por muitos, em contribuir para a proteção de grupos desamparados e discriminados. Sobretudo, demonstra o relevante papel desempenhado por lutas individuais na conquista de direitos coletivos.