Nas últimas semanas, recebemos a terrível notícia de que pessoas negras estavam (estão) sendo leiloadas na Líbia. Há vídeos e tudo mais sobre esse processo criminoso. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completa 69 anos no próximo dia 10, afirma em seu preâmbulo “(…) o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. Dignidade e liberdade – de quem estão falando?
Isso significa dizer que o que ocorre na Líbia é contra a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas o que vemos? Estamos assistindo a um profundo silêncio das grandes mídias. Parece que tudo corre bem e que esse crime na Líbia é algo natural ou normal. Mais uma vez, podemos ver como essa grande mídia é racista – lembrem-se que ela também ocultou as informações dos ataques terroristas na Somália.
É inadmissível que nós cidadãos e cidadãs levemos nossas vidas como se a notícia da Líbia fosse o mesmo que dizer “não vai ter natal esse ano”. É muito triste a gente perceber que a colonização foi tão perversa que conseguiu fazer com que naturalizássemos as mortes do povo preto. Não é normal o silêncio mundial frente a Somália e agora a Líbia. Isso se chama racismo.
Dias desses, uma pessoa perguntou o que entendemos por colonialidade. Fiquei uns minutos pensando… Depois, essa mesma pessoa respondeu: “Colonialidade tem a ver com o processo de escravização de nossos corpos e nossas mentes. É a capacidade do pensamento branco, europeu, patriarcal e heteronormativo de imprimir os seus valores como se fossem os nossos valores, como se fossem os valores do povo preto”.
A nossa vivência, ou seja, a vivência do povo preto, é a de compartilhar a vida, afeto, trabalho. Mas os valores individualistas do mundo branco impõem que esqueçamos nossa ancestralidade e lutemos cada um pela sorte do destino. Não podemos novamente cair nessa. Sabemos o quanto é difícil matar um leão por dia, sim. Por vezes, vamos trabalhar e estudar fugindo das balas perdidas, pedindo veementemente proteção aos orixás, deuses e forças superiores para irmos e voltarmos em vida, pois uma coisa que a gente não suporte é saber que mais alguém morreu.
Porém, a morte aos nossos corpos pretos é aceita nessa forma de produzir e reproduzir a vida. Basta a gente ver que na Líbia quem está comprando esses corpos são fazendeiros. Querem nossos corpos como propriedade porque assim podem fazer o que bem entenderem. A História já nos mostrou inúmeras vezes que não podemos contar com brancos para a nossa verdadeira emancipação. Eles sempre nos traem em nome do dinheiro. Nossas vidas, para esse povo, é como mercadoria: sempre prontas a serem compradas e descartadas quando não servirem mais. Morremos de formas variadas nessa sociedade do descartável: morremos afogados nos mares quando nos encontramos refugiados de nossos países de origem, na mira da polícia, nas filas dos hospitais; de depressão etc. Sim, morremos de tanto viver dores, parafraseando Conceição Evaristo.
Já passou da hora de por fim a esse extermínio que vem há séculos. Precisamos assegurar um futuro digno às nossas crianças. Elas precisam ser felizes, amadas e brincar. Quero viver num país em que a cor da minha pele não seja um incômodo, mas, sim, o maravilhoso reconhecimento de que sou linda com minha pele, meu cabelo e com o meu corpo avantajado. Sim, somos lindas e lindos, e, quando viver for um direito de todas e de todos, viveremos tranquilos. Mas, enquanto isso não é realidade e sim necessidade de lutas, diremos: “Guerra aos senhores!”.