Vem crescendo cada vez mais o número de mulheres que ocupam posições de liderança dentro de suas comunidades. Vidigal, Pavão-Pavãozinho, Indiana, Tabajara e Vigário Geral são algumas das inúmeras favelas que tem hoje à frente uma liderança feminina, seja ela presidente da associação de moradores, ou simplesmente alguém com sensibilidade e disposição para enfrentar muitas dificuldades.

Exemplo vivo de simpatia e popularidade, Bianca Regis, 33 anos, presidente da Associação de Moradores do Morro do Vidigal, exibe, com orgulho, as conquistas de sua administração. Considerada por muitos a “mãe do povo”, Bianca resolveu a questão dos garis comunitários, instalou a praça de entrada da comunidade mais duas creches em parceria com o Favela-Bairro, reformou a Vila Olímpica e estabelece parcerias com o grupo de teatro da comunidade, Nós do Morro, e com o curso profissionalizante de agentes de saúde promovido pela Universidade Gama Filho. Tudo isso após reestruturar totalmente a associação de moradores, então ainda depredada e abandonada, e se tornar a primeira líder mulher do morro.

Desempregada, entrou como secretária da associação em 1999 e só em 2000 foi eleita presidente. É formada em administração de empresas e processamento de dados e acredita que o trabalho a frente da associação lhe possibilita praticar o que aprendeu na faculdade. “Acredito na mudança. Se a gente não fizer, quem vai fazer? Adoro o que eu faço, assim a gente pode sentir a comunidade ser vista com mais respeito”, diz ela, confiante. A amiga Francisca dos Anjos, conhecida como Tia Chica, faz questão de elogiar: “Ela é maravilhosa, amiga, mãe. É séria e certa, tem um trabalho decidido”.

Mas, infelizmente, nem só de alegrias vive o Vidigal. Bianca e os moradores ainda tem de conviver com a constante falta d’água no local. Segundo ela, por ser localizado no fim da zona sul, o morro recebe a água já quase sem pressão. Sem falar que o abastecimento privilegia, antes de chegar ao Vidigal, toda a área rica do bairro de São Conrado, como o hotel cinco estrelas Sheraton, contraste gritante com a paisagem da favela que lhe é vizinha.

Outra favela que ganhou expressividade por causa da liderança comunitária foi a Indiana, no bairro da Tijuca, ao lado do Morro do Borel. Ruth Sales, de 34 anos, grande responsável por esse reconhecimento, deu continuidade ao trabalho que a mãe, Lídia Sales, fazia há anos na comunidade. Ela conta, emocionada e com enorme admiração, a disposição de Lídia para educar e organizar as pessoas que ali viviam. Através do teatro sensibilizava a comunidade e a sociedade para questões sociais sérias, como foi a peça Mãe de Pedra, sobre a chacina da Candelária, apresentada nos teatros Carlos Gomes e João Caetano. Ruth conta que, certa vez, sua mãe montou uma sala de aula dentro da pequena casa, onde alfabetizava dezenas de crianças. Lídia era, no entanto, formalmente representada pelo marido, apesar de fazer tudo e saber ler e escrever.

Após a morte da mãe, Ruth ficou um pouco desencorajada, mas a comunidade já havia criado uma referência nela e em seu potencial de liderança. Seu currículo nessa área é extenso. O primeiro trabalho foi no jornal Favelão, aos 17 anos, na Arquidiocese do Rio de Janeiro, onde fazia denúncias que desmentiam o que diziam os jornais correntes. “Falavam pra gente que tinham colocado encanamento na favela. A gente ia lá e mostrava que na verdade era só uma bica!”, diz ela. Trabalhou também como agente de Pastoral de Favelas e foi por dois anos presidente da associação de moradores da Indiana. No governo do Estado, fez parte da Secretaria de Direitos Humanos, onde trabalhava com menores infratores e hoje é voluntária do Centro de Articulação em População Marginalizada (CEAP).

Radical, ex-filiada ao PcdoB, Ruth acredita que nós devemos ter, acima de tudo, ideologias. “Se vem me pedir cesta básica, eu digo: você não precisa só disso, você precisa de consciência, de aprender a votar. Porque tem muito candidato que chega aqui em época de campanha, faz algum serviço e diz que ajudou a comunidade. Depois que ganha os votos vai embora”, conta ela, indignada.

Luzineide Souza, ou simplesmente Neide, como prefere ser chamada, é secretária e tesoureira da Associação de Moradores de Vigário Geral. Há dez anos a favela foi vítima de uma chacina na qual 21 moradores inocentes foram mortos pela polícia militar. Foi preciso chegar a esse ponto para que começassem a chover ONGs e projetos sociais para a comunidade, que ficara então mundialmente conhecida e estampada nas capas dos jornais. Neide admite que a infra-estrutura melhorou muito desde então, num trabalho conjunto entre a própria associação e as ONGs presentes na favela.

Apesar das dificuldades, Neide adora ser reconhecida pelo seu trabalho e diz que não sai da favela por nada. “Se eu sair daqui eu perco a minha identidade. Aqui as pessoas me conhecem, eu sou a Neide da Associação. Quem eu serei lá fora?”, diz ela.

Para essa parcela da população que só conhece o Estado em sua forma mais repressora, representada pelas ações arbitrárias da polícia nas favelas, a liderança comunitária torna-se a forma mais importante para sua organização social e política. A representação feminina nessa área mostra que, realmente, os tempos mudaram. Basta ver o exemplo de esforço e dedicação que estas jovens mulheres vem dando para as comunidades cariocas.

Clarissa Guarilha