Se proteger e proteger os outros sem equipamentos necessários para proteção. É o que acontece em muitas unidades de saúde do estado do Rio de Janeiro, segundo o relatório “Escuta da sociedade civil sobre combate à pandemia de Covid- 9 nas favelas e periferias do Rio de Janeiro”, divulgado no dia 28 de agosto, pela Ouvidoria da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. No período de abril a julho de 2020 foram ouvidas 57 lideranças que moram e atuam em diferentes favelas e periferias da Região Metropolitana. De acordo com a pesquisa, em 84% das escutas, houve relatos de falta de equipamentos de proteção individual (EPI’s) em unidades de saúde, enquanto 16% desconheciam a situação do acesso aos EPI’s nas unidades de saúde.
A situação nos hospitais do Rio de Janeiro já era complicada antes da pandemia do novo coronavírus. Faltavam leitos, medicamentos, materiais médicos para equipes de saúde, havia uma sobrecarga do sistema e, com isso, pessoas não conseguiam atendimento. Durante a pandemia só piorou. O relatório destacou que para aliviar os efeitos dessas conjunturas, as lideranças de algumas favelas mobilizaram, junto com as campanhas de doações de alimentos para a população, doações também de EPI’s para as equipes médicas que atendiam a população. E ressaltou que até doação de água foi feita ao Hospital de Acari, mobilizada pelo Gabinete de Crise dos moradores do Complexo do Alemão.
A situação das unidades de saúde só fez com que a população sentisse mais receio de procurar ajuda e atendimento médico. O relatório afirma que 71% das lideranças tiveram conhecimento de pessoas com problemas de saúde que morreram em casa sem buscar atendimento médico.
Morador da Baixada Fluminense, Cristiano dos Santos, de 47 anos, disse que ficou muito assustado quando a pandemia começou. Ele trabalha na cozinha de um hospital que tinha duas alas de atendimento para pacientes de Covid-19 e não podia parar de trabalhar apesar de ser do grupo de risco, pois tem diabetes e hipertensão. Mesmo com todos os cuidados, acabou pegando o vírus, foi à UPA em Austin, Nova Iguaçu, chegou a ficar o dia lá com medicação na veia, mas o médico disse que era melhor ele se tratar em casa.
“Como trabalho em um hospital eu sei que fui eu que levei o vírus pra casa, ficamos todos em isolamento, eu, minha esposa e meus dois filhos. Eles só tiveram sintomas leves, dor no corpo, perda de olfato, como se fosse um resfriado, mas eu por ter problemas de saúde achei que ia morrer. Senti muita falta de ar, cansaço, dores no corpo, febre. Gastei mais de 300 reais em remédios, deixei de pagar conta pra poder comprar”, contou Cristiano.
Já no seu local de trabalho deram três máscaras de tecido para ele mesmo higienizar em casa. “A doutora me disse que aquilo estava errado, ainda mais por eu trabalhar na área da cozinha o certo era me darem máscaras descartáveis e não de pano”, afirmou.
A moradora de Queimados Fátima Nascimento não precisou ir até a unidade de saúde do município e aprovou a ação da prefeitura de distribuir máscaras de tecido. “Eu estava passando no centro da cidade e vi eles distribuindo máscaras, peguei para mim e para outas pessoas. Mas mesmo assim tem muita gente que não anda de máscara porque não quer, ainda mais agora que as coisas estão voltando a funcionar. Tem gente que anda como se não estivesse acontecendo nada e isso prejudica outras pessoas”, disse.
A Ouvidoria registrou que em 53% das escutas foram relatados sobrecarga no atendimento da unidade responsável pela estratégia de saúde da família local, enquanto 20% afirmaram que não presenciavam esse serviço no local onde vivem. Já nos 27% das escutas restantes foi dito que a estratégia de saúde da família estava atendendo normalmente.
Participaram das escutas lideranças de favelas, complexos e bairros periféricos dos seguintes locais: Acari, Alcantara, Barro Vermelho, Campo Grande, Centro de São João de Meriti, Cidade Alta, Cidade de Deus, Cinco Marias, Complexo da Coruja, Complexo da Maré, Complexo do Borel, Complexo do Centenário, Complexo do Lins, Gramacho, Guariciaba (Rua do Meio), Itaoca, Jacarezinho, Jardim Gramacho, Km 32, Morro da Bica, Morro do Sossego, Neves, Parada de Lucas, Parque Beira Mar, Parque das Missões, Parque Paulista, Pavuna, Providência, Pedreira, Rocinha, Santa Cruz, Santa Cruz da Serra, Tabajara, Vargem Grande, Vila Ideal (Favela do Lixão) e Vila Kennedy.