Literatura da Peri, Periferia – Coletânea Marielle em Nossas Vozes

Brasileiras vão à luta pegando em armas, fazendo política e escrevendo poemas

arte: ati.voz

Maria Quitéria de Jesus, heroína da Independência, nasce em 27 de julho de 1792; exatamente no mesmo dia e mês, 187 anos depois, o Brasil ganha outra guerreira, Marielle Francisco da Silva, ou Marielle Franco, nome adotado na carreira política. A primeira completa – verbos sempre no presente – 229 anos; a segunda, 42.

Quanto mais o tempo passa, mais vivas ficam. E são muitas as confluências biográficas, como a capacidade de arregimentar adeptas. Maria Quitéria, após seu disfarce masculino ter sido descoberto no campo de batalha, é mantida na guerra contra os portugueses, atraindo outras combatentes, que passaram a lutar pela Independência sob seu comando. Marielle ganha projeção nacional e internacional após ser fuzilada, um ícone que arregimenta mais e mais mulheres, como as 32 autoras da Espantologia Poética Marielle em Nossas Vozes, publicada pela Me Parió Revolução, selo editorial “negro, feminino e independente”, de São Paulo.

Por que Espantologia? “Não se trata de uma simples reunião de poemas sobre Marielle Franco. É, antes, a perpetuação do nosso espanto, do nosso canto… ambos necessários para que Marielle, sua luta e as nossas continuem vivas apesar dos constantes ataques à nossa integridade física, emocional, intelectual e artística”, explica a introdução do livro. O espanto é traduzido de várias maneiras, como a publicação da coletânea no mesmo ano do assassinato da então vereadora, em 2018.

As vozes ecoam da Bahia, terra da guerreira Maria Quitéria de Jesus; do Rio de Janeiro, berço de Marielle; além de São Paulo, Maranhão, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Paraná, Berlim. Tão importante quanto reforçar a luta é despertar novas combatentes, nem que pelo espanto da tragédia, como em “A desconhecida irmã”, de Janaína de Souza Carvalho: “Pronta para adormecer/ Ouço que ela morreu./ Não te conhecia em detalhes/ Mal te via na TV/ Sua morte arrancou um pedaço de mim./ A cada publicação, a cada manifesto/ A cada pessoa que falava de você/ De sua história/ Uma ente querida se tornava.”

Ao lado da palavra “presente”, adjetivo de resistência que a execução de Marielle fixou no vocabulário revolucionário nacional, lemos expressões de revolta e lamento pela perda, inevitáveis em uma obra cuja inspiração é a morte da guerreira. A mobilização pela dor é função emotiva na literatura identificada com as periferias, ativando nossa memória histórica, uma sangueira só, ainda mais quando relacionada às mulheres.

Mas não há só lamentos. A resistência aparece em versos celebrativos, outra forma de resistir, apesar das palavras tingidas pela dor da perda, como no poema de Ada Lima. Ela lembra que Marielle costuma “enfeitar o cabelo”, imagina a heroína “de turbante”, com flor de pano colorida enfeitando a cabeça, “de punho em riste/ mas sorridente/ festejada” – em Aruanda?

O levante é de espantar machos, assassinos, milicianos, políticos nervosinhos que destroem placas em homenagem a Marielle, ou aquele verme inominável que confessou, como se fosse honroso confessar, que quando fraquejou, virou progenitor de uma mulher. Tadinhos. Se, ao invés de covardes e golpistas, fossem alfabetizados, teriam noção do tamanho da encrenca feminina, da resistência crescente, e do quanto, no final das contas, este país de pais ausentes é construído e sustentado, sem pensão alimentícia, por milhões de mulheres.

Saberiam também que, quando se mata a abelha rainha, as outras abelhas ficam muito, mas muito mais zangadas, e contra-atacam sem piedade. Porém, surdos e cegos, ainda não perceberam sequer o rumor do enxame chegando.

Ouçam no Spotify da Agência de Notícias das Favelas (ANF) dois poemas da coletânea Marielle em Nossas Vozes: “A desconhecida irmã”, de Janaína de Souza Carvalho, e “Somos pássaros”, de Sonia Bischain. A leitura é de Marcos Zibordi, correspondente da ANF em São Paulo

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