Luiz Gama, um advogado autodidata pela liberdade

O notável saber jurídico de advogados negros e advogadas negras no exercício da advocacia.

foto: site MST

O advogado Luiz Gama, o patrono da abolição, apenas em 2015 recebeu pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Conselho Federal e a Secional paulista da Ordem o título póstumo de “profissional da advocacia”, mesmo que 133 anos após sua brilhante atuação como rábula.

Rábula é um adjetivo normalmente associado à precarização da atuação na advocacia. Descrevem os dicionários populares que é uma atuação jurídica com pilantragem e sem a devida formação. O termo nunca fez jus à atuação do Luiz Gama, que em uma carta autobiográfica ao escritor fluminense, Lúcio de Mendonça, estimou que já havia libertado do cativeiro mais de 500 escravizados. Faleceu em 24 de agosto de 1882.

História 

Luiz Gama, nasceu na Bahia livre, era filho de uma africana livre e de um fidalgo de origem portuguesa. Como cativo e autodidata, aprendeu a ler e escrever e reconquistou a sua liberdade e na advocacia compreendeu a verdadeira função social do seu saber e da sua habilidade autodidata para a sociedade. A percepção das suas competências e do valor do Direito representaram a própria liberdade por meio do conhecimento das leis.

Filho de Luiza Mahin, escrava liberta, já a percebia como referência de resistência, e a descrevia como insurgente, altiva e líder, mesmo convivendo com ela por apenas 10 anos.
A força feminina de sua mãe ficou marcada em suas lembranças. Como dito na carta, descreve-a dfa seguinte forma: “Sou filho natural de uma negra, africana livre, da Costa Mina (Nagô de Nação), de nome Luiza Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã…era muito altiva, geniosa, insofrida e vingativa.”

Quando adulto, Luiz Gama ao buscar suas origens soube, sem confirmações, sobre o destino da mãe: presa e exilada, após participação na Revolta dos Malês (1835) e na Sabinada (1837-1838), encontrava-se desaparecida. Com ela perdera o contato após ser vendido pelo próprio pai como escravizado aos dez anos de idade. Na ocasião foi levado da Bahia para a cidade de Lorena (SP).

Compreendemos que nesses 10 anos de convivência com a sua mãe, Luiz Gama foi forjado pela força do Matriarcado. A resistência e a insurgência da referência materna, mesmo que apenas na infância, influenciou para o não conformismo e a força de suas ações.
Em 1850, Luiz Gama tentou ingressar no curso de Direito do Largo de São Francisco (atual curso de Direito da Universidade de São Paulo).

Ativismo e Escrita 

Firme, permaneceu nos corredores da faculdade, frequentou todos os dias a biblioteca e assistiu inúmeras aulas como ouvinte. Negro e pobre, não era admitido formalmente como aluno da faculdade, sendo, ainda, humilhado pelos estudantes e professores.
Persistente, insistente e focado na sua atuação como ativista, em 1859, publicou uma coletânea de poemas satíricos, “Primeiras Trovas Burlescas”, onde faz uma crítica social e política da sociedade brasileira, denunciando as questões raciais do ponto de vista negro, na primeira pessoa.

Como ativista da causa republicana e abolicionista, tornou-se colaborador em diversos jornais: Diabo Coxo, Cabrião, Correio Paulistano, A Província de São Paulo, Radical Paulistano, A Gazeta da Corte, e atuou junto com outros abolicionistas negros como André Rebouças, Ferreira de Menezes e José do Patrocínio. Luiz Gama, nos seus escritos, denunciava violações das leis por parte dos representantes dos senhores. Denunciava sentenças e apontava os erros cometidos por juízes e advogados. E as suas leituras e reflexões permearam incansavelmente obras do direito, da história, da filosofia e da literatura (nacional e estrangeira).

Suas vitoriosas teses, construídas durante a defesa dos seus assistidos, impressionam pela tenacidade:

1- Para Luíz Gama, quando o opressor tensiona, obriga o oprimido a reagir em defesa dos seus direitos naturais. Ele defendia que, como a escravidão era uma violência contra o direito natural e inalienável do homem, o escravizado não só poderia reagir contra os abusos do seu senhor, como tinha razão moral de fazê-lo.
2- Os criminosos não eram os escravizados, mas o senhor que os escravizava. Então, ao reagir, o oprimido praticava um direito natural à legítima defesa contra essa primeira violência.
3- Os escravizados eram libertandos, pois nasciam com o direito natural da liberdade e da vida, logo, para qualquer tipo de cerceamento escravagista, os escravizados sempre eram as vítimas.

Abolicionista

Luiz Gama era conhecido como o “amigo de todos”, tinha em casa uma caixa com moedas que dava aos negros em dificuldades que vinham procurá-lo. Sua saga abolicionista influenciou grandes figuras como Raul Pompéia, Alberto Torres e Américo de Campos. E, apesar da dura e brilhante luta pela liberdade dos escravizados, Luiz Gama morreu seis anos antes da abolição da escravatura, em 24 de agosto de 1882.

Podemos dizer que Luiz Gama foi fruto da diáspora africana – oriundo, portanto, das margens do tecido social. Como um homem à frente do seu tempo, ressignificou a própria vida, tornou-se poeta, advogado, jornalista e, antes de morrer, de causas naturais, ao sentir-se ameaçado de morte, escreveu para o seu filho, o pré-adolescente Benedito Graco Pinto da Gama, procurando orientá-lo sobre o futuro, ressaltando a importância do estudo, da leitura, da ética e da ousadia.

Sua carta ao seu filho é uma mensagem atemporal, que ainda hoje, serve à todos os jovens negros e negras que lutam para ter Direitos nessa sociedade excludente, com políticas racista e genocida.

E, ao fim da carta-testamento ao filho, Luiz Gama ressalta: “Trabalha, e sê perseverante. Lembra-te que escrevi estas linhas em momento supremo, sob a ameaça de assassinato. Tem compaixão de teus inimigos, como eu compadeço-me da sorte dos meus.”

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