A prefeitura do Rio desapropriou na última o sexta-feira o terreno onde funcionava na Rocinha “De Olho no Lixo”, programa da Secretaria de Meio Ambiente estadual em parceria com Viva Rio Socioambiental e a Associação dos Supermercados do Estado do Rio. Não está claro para mim há quanto tempo funcionava o projeto, mas 30 agentes socioambientais eram responsáveis pela coleta de lixo no local, no que pode ser considerada a principal ação de educação ambiental. Muitos adolescentes e jovens aprendiam a fabricar instrumentos musicais com resíduos sólidos, nos cursos Funk Verde, outros confeccionavam roupas, bolsas e acessórios pessoais à base de retalhos, jeans usados, banners etc. Mais de 80 instrumentos e 400 peças de vestuário foram produzidos ali, até a intervenção da prefeitura.
O terreno onde ficava o De Olho no Lixo foi, originalmente, o canteiro de obras do plano inclinado da Rocinha, que não aconteceu “por causa da crise”. A Secretaria de Obras, então, cedeu o espaço à Secretaria do Meio Ambiente. Tudo rolava no entrosamento entre a comunidade e os agentes envolvidos, com satisfação geral, a julgar pelas reações indignadas de pessoas que tocavam atividades e estão sem saber o que vai acontecer. A própria Secretaria estadual foi surpreendida com a intempestividade da desapropriação, sem aviso prévio aos moradores, comunicação institucional, nada, nem um memorando, uma mensagem, um telefonema. Como tem sido comum neste tipo de ação oficial, juntaram-se a Secretaria de Ordem Pública, a Guarda Municipal e a Polícia Militar no desmonte da estrutura, logo cedo na sexta-feira.
Estas três “forças” empregadas na Rocinha são as mesmas que reprimem camelôs, apreendem mercadorias e equipamentos como carrocinhas, revistam pessoas sem justificativa, interrogam e vasculham celulares, bolsa e mochilas nos acessos às favelas e demais operações cobertas pela “legalidade” desses tempos de exceção. Sorte do povo da localidade conhecida como Roupa Suja, onde está o terreno em questão, que as forças armadas não se fizeram presentes também, com seus soldados treinados e não dar explicação nem responder às pessoas e a agir com incivilidade ao menor sinal de insatisfação.
Em março último, o prefeito Marcelo Crivella, mandou dar uma mão de tinta na fachada de casas e prédios da Rocinha, mas só os que podem ser vistos da autoestrada Lagoa-Barra, para os olhos delicados da Miami carioca não serem ofendidos pela paisagem rude do casario da favela. Providência cosmética prontamente combatida pelas lideranças comunitárias e pessoas com algum senso de ridículo pelo que significava de desrespeito e escárnio à parcela da população que reivindica há anos obras de saneamento básico, como na época em que se pretendeu construir o tal plano inclinado em cujo canteiro de obras instalou-se, até esta sexta-feira, o De Olho no Lixo. Dito assim, parece que o carioca está condenado a viver num círculo vicioso ditado pelas ideias mirabolantes dos sucessivos governos. E é isso mesmo, o carioca e o brasileiro no país inteiro.
O mais preocupante é que a tendência do verão que se avizinha é mais ignorância, porrada e desrespeito em todos os níveis. A censura às manifestações já ocorre em cena aberta, sem pudor algum. Quando um juiz não manda, um guarda de esquina se adiante e proíbe o espetáculo, a apresentação artística, o lançamento do livro ou a exibição do filme. Neste pé estamos e continuaremos enquanto não unirmos forças organizadas em associações, sindicatos, partidos políticos, fóruns de discussão. O caso da Rocinha nesta sexta-feira é emblemático da falta de entrosamento entre órgãos de níveis distintos da administração pública que podemos aproveitar para a luta dos moradores e beneficiários dos projetos sociais desenvolvidos. O prefeito já conhecemos desde janeiro do ano passado, não engana mais ninguém. Mas janeiro está chegando, com os atiradores de elite do governador e a barbárie prometida de Brasília.