Manaus às margens do Rio Negro, com uma população de mais de 2 milhões de habitantes, destaca-se na região como um importantes centro econômico, cultural e político. Sua dimensão e localização em meio à maior floresta tropical do mundo impõem ao seu desenvolvimento, questões desafiadoras como: vasta extensão territorial, dispersão populacional, dificuldade de logística de produtos industrializados e bens de consumo, entre outros. 

Historicamente a região experimentou alternância neste desenvolvimento entre o “Fausto” e crises marcadas pela concentração econômica na capital, baixo desenvolvimento no interior, êxodo rural, inchamento de áreas não-planejadas, com recebimento inclusive de populações estrangeiras (haitianos, venezuelanos…).

Favelas e Comunidades Urbanas, segundo o Instituto Brasileiro Geográfico e Estatístico – IBGE: São territórios populares originados das diversas estratégias utilizadas pela população para atender, geralmente de forma autônoma e coletiva, às suas necessidades de moradia e usos associados (comércio, serviços, lazer, cultura, entre outros), diante da insuficiência e inadequação das políticas públicas e investimentos privados dirigidos à garantia do direito à cidade.

Recentemente, uma técnica da Secretaria de Saúde de Manaus chamou a atenção ao compartilhar com os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) uma informação alarmante: Manaus é a segunda capital com maior área percentual de favelas do Brasil. O impacto dessa revelação foi grande entre os ACS, profissionais que estão em constante contato com a comunidade e atuam como representantes dos mais diversos desafios sociais enfrentados pelos moradores dessas áreas.

Esse assombro acende um alerta vermelho e nos conduz a uma série de reflexões preocupantes. Até então, o problema das favelas em Manaus poderia ser visto de forma discreta, mas essa nova perspectiva traz à tona a questão e revela uma realidade que foi negligenciada ou mesmo ignorada por longos períodos. Essa percepção sobre o conceito de favela não é clara nem mesmo entre os próprios profissionais que atuam nas áreas periféricas, o que levanta uma questão ainda mais séria: se os ACS, que lidam diretamente com as comunidades e têm a responsabilidade de cadastrar e acompanhar a população, não conseguem perceber a realidade das favelas, como esperar que o restante da sociedade tenha consciência dessa problemática?

Seria possível extrapolar para toda a sociedade manauara essa percepção?

Apesar de carecer de pesquisas que validem essa possibilidade, é possível argumentar que essa falta de percepção sobre o conceito de favela não é um acaso, mas sim uma construção social deliberada. Um “esquecimento” intencional que, ao longo do tempo, ganhou ares de verdade, tornando-se um discurso recorrente, tanto entre os profissionais da saúde quanto no imaginário coletivo da sociedade.

Dois fatores principais podem ser apontados para essa situação. O primeiro está relacionado ao aspecto cultural e à identidade local. Muitas pessoas, especialmente aquelas que vivem em áreas periféricas, não se reconhecem como parte do conceito de “favela”, muitas vezes rejeitando esse termo por considerá-lo degradante. Essa rejeição está ligada ao estigma social que acompanha a palavra, associando-a a condições precárias e desumanas de vida, o que leva os indivíduos a desconsiderarem essa realidade como parte de sua própria vivência.

Diferente de Manaus, hoje vemos movimentos político-social em vária partes do pais que trabalham essas percepções a exemplo do sudeste que mostram sim serem moradores de favelas e não aglomerados subnormais como foram tratados pelo IBGE.

Por outro lado, também temos o papel do poder público. A propositada invisibilidade das favelas e a minimização das suas condições podem ser vistas como uma estratégia para evitar maior pressão sobre as políticas públicas. O não reconhecimento da favela, ou a tentativa de dar “novas cores” ao conceito, contribui para que o problema passe despercebido, sem que haja ações eficazes para melhorar a qualidade de vida dessas comunidades.

Infelizmente, a ausência de espaços de debate público que tratem a questão das favelas de forma aberta e construtiva, e que resultem em políticas efetivas para a população, perpetua esse ciclo de invisibilidade e negligência. Enquanto essa realidade persistir, tanto no âmbito da gestão pública quanto na percepção social, as condições de vida das pessoas que habitam as favelas continuarão a ser tratadas como secundárias, e as soluções para os seus problemas seguirão sendo adiadas.

Crédito da foto de capa: Ricardo Oliveira/Revista Cenarium

Colaboração: Geraldo Souza