Neste mês de abril, onde comemora-se tantos momentos ímpares para a memória histórica do povo brasileiro como: a Semana Santa, uma tradição religiosa cristã que celebra a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Jesus Cristo; o dia dos Povos Indígenas e o dia alusivo a Joaquim José da Silva Xavier, mais conhecido como Tiradentes, é interessante constatar que essas datas, por vezes, passam de largo ou não deixaram uma utopia como possibilidades de mudança de mundo para milhares de pessoas que vivem em extrema pobreza, que não tem o que comer ou passam fome hoje no Brasil.
A partir de MARCEL MAZOYER & LAURENCE ROUDART ao escreverem sobre a história das agriculturas no mundo e reafirmarem a importância de sermos gratos “a todos os agricultores que têm feito o mundo em que vivemos”, temos na contemporaneidade uma responsabilidade de mostrar à nossa sociedade que luta contra séculos de heranças sociais de uma colonização eurocêntrica – machismo, racismo, transfobia, escravidão, entre outras, as contribuições das mulheres transexuais e travestis em espaços rurais/campo, na produção de alimentos que chegam à mesa de centenas de pessoas todos os dias.
Ações essas que continuam encobertas em nosso país, silenciadas nos debates políticos nas casas legislativas (casa do povo), formadas em sua maioria por homens cisgêneros, brancos e pertencentes à elite econômica brasileira e defensores da família nuclear. Torna-se urgente quebrarmos esse silêncio, procurar fendas que faça entrar, invadir nos espaços sociais uma reflexão conceitual sobre sexualidade, aspectos socioculturais, diferenças e desigualdade com interpretação de textos, falas e interações num convívio saudável e respeitoso com as mulheres trans e travestis, parcela da população brasileira, invisibilizada duas vezes mais; em primeiro lugar por não se sentirem adequadas ao gênero que receberam no nascimento e em segundo, são estigmatizadas “pelo preconceito de lugar” (por morarem em espaços rurais). Além de verificar as dificuldades enfrentadas por essas mulheres transexuais e travestis a partir de contextos diversos, em especial a (con)vivência no campo enquanto território onde as mesmas demonstram representatividade no mercado de trabalho – trabalhando na agricultura de subsistência, buscarmos ampliar o debate sobre a transexualidade, especialmente, acerca da utilização do nome social (terem acesso ao uso do nome social que possui proteção legal, logo, desrespeitar esse direito pode ser considerado crime e sofrer sanções), e refletir sobre os estereótipos, os preconceitos e as discriminações vivenciadas constantemente por essas mulheres. Além de atravessarmos as fronteiras para a necessidade de maior reconhecimento e de ampliação ao acesso de políticas públicas voltadas para mulheres transexuais/travesti em espaços rurais nos municípios do nosso país, como forma de garantir a cidadania plena, àquelas que colocam a “cara no sol” todos os dias.
Na atmosfera desse cenário de fome e exclusão dos pobres em um Brasil rico em produção de alimentos, refém do agrobusiness, mulheres transexuais/travesti em espaços rurais estão dando contribuições significativas na produção de alimentos e no combate à fome. Muito das hortaliças que chegam à mesa dos consumidores brasileiros é proveniente da agricultura desenvolvida por “elas”, moradoras da zona rural das áreas territoriais dos 5.568 municípios brasileiros. Mulheres trans e travestis que optaram pelo caminho inverso de suas semelhantes, moradoras das grandes cidades, que buscam na noite, no mundo underground sua sobrevivência.
No país que ainda mais mata pessoas trans e travestis em todo o mundo, marcado pela polarização e ódio entre a direita e esquerda política nesses últimos anos, é preciso dar maior atenção na construção da identidade dessas Marias – mulheres, demolindo o preconceito que dificulta suas inserções no mercado de trabalho formal.