Marielle Franco, a voz que ecoa cada vez mais alto

Manifestação de um ano sem resposta do assassinato da vereadora Marielle Franco na Cinelândia, Rio de Janeiro, Brasil, Março 14, 2019. (Austral Foto/Renzo Gostoli)

Quem quis calar Marielle e Anderson? A pergunta que não se cala.

Rio de Janeiro, 21h 30 do dia 14 de março de 2018, no bairro Estácio, localizado no Centro da Cidade, pessoas que passavam e estavam no local naquele momento ouviram barulho de tiros, várias rajadas em sequência. Um carro, na cor prata, passou atirando contra um outro, branco, foram 13 disparos, alguém fora atingido, imaginaram. Sim, e foram, eram duas pessoas atingidas no interior do carro e uma terceira pessoa que escapou por sorte e estava em estado choque devido a situação de terror que havia passado naquele momento. Em seguida, ela pegou o telefone celular e ligou para alguém e mal conseguia falar, pois estava muito nervosa e abalada, chorava muito, não entendia e não acreditava no que estava acontecendo. A polícia fora chamada por alguém e chegou em instantes e até então, ninguém sabia quem eram as duas pessoas que estavam baleadas dentro do carro branco, apenas a mulher que havia sobrevivido ao atentado.

A mulher pedia desesperadamente socorro aos policiais e para que socorressem sua amiga e o motorista, que para ela, estavam apenas feridos e desmaiados lá dentro do veículo. Mas logo veio a confirmação que ela temia ouvir, os dois estavam mortos, pois foram atingidos fatalmente, a mulher com quatro tiros na cabeça e o homem com três tiros nas costas. E novamente ela pegou o celular, ligou novamente para alguém e, em prantos, informou: “a Marielle e o Anderson estão mortos”. Sim, naquela noite fatídica, dentro daquele carro branco, que fora alvejado por treze tiros, estavam baleados fatalmente, a Vereadora Marielle Franco e seu Motorista, Anderson Gomes. E a mulher que havia sobrevivido e estava transtornada, sem acreditar naquela cena de terror que presenciou, era a Assessora, Fernanda Chaves.

Os veículos de imprensa, pouco tempo depois, chegaram ao local e logo fizeram os questionamentos que pairavam na mente de todos. Quem matou Marielle e Anderson? Quem mandou matar Marielle? Quem planejou sua morte e por quê? A quem Marielle incomodava tanto, a ponto de planejar sua execução? E no dia seguinte, toda mídia televisiva, escrita, radiofônica e principalmente a virtual, destacava as mortes da Vereadora Marielle Franco e de seu Motorista, Anderson Gomes. Sim, era o assunto em destaque na mídia naquele dia 15 de março de 2018, pois aquela mulher negra, favelada, mãe, assumidamente lésbica, fora executada brutalmente, junto ao seu motorista, numa tentativa de calarem a sua voz, que estava começando a ecoar bem alto e passou a ser ouvida, não só nas favelas cariocas, mas por todo o Brasil e também, por todo o mundo.

Todos estavam indignados e perplexos com o que podemos chamar de: atentado à democracia. Uma vereadora eleita democraticamente pelo povo fora assassinada.

Marielle Franco foi a quinta vereadora mais votada em todo município do Rio de Janeiro, e sua pauta era em defesa das minorias, daquelas pessoas que não tem vez e muito menos voz. E falava e lutava por essas pessoas, por sentir na sua própria pele, sabia bem o que era estar à margem da sociedade, o que era ser excluída. Sabia e sentia na sua pele preta, os efeitos terríveis que causam o racismo, e sabia ainda, o que era ser vista como uma ofensa a moral e os bons costumes de uma sociedade preconceituosa e homofóbica. Lutava, e lutava muito pelos direitos das mulheres, queria que elas estivessem mais dentro da política e ocupando espaços que são dominados por homens até hoje, em pleno século XXI. Então, eleita, Marielle se propôs e passou a falar em nome de todas as mulheres, sem exceção, pois como mulher, sabia da dificuldade de se impor dentro de uma sociedade machista e patriarcal.

Mas, se as pautas de Marielle Franco eram essas, por que ela incomodava tanto e deveria ser executada? Em um país democrático, não se pode lutar por aquilo que acredita? E se o alvo era Marielle, por que executar Anderson também? Ele era um motorista, estava trabalhando como qualquer cidadão para poder sustentar sua família e pagar seus impostos. Mas Marielle denunciava através de suas redes sociais a ação da polícia nas comunidades! Sim, ela denunciava, pois dentro da pauta do combate ao racismo, ela também combatia o genocídio da população negra, que não implica só nos abates que policiais fazem nas favelas durante as operações, mas também, nas mortes que ocorrem de mulheres e bebês na hora do parto nas maternidades públicas, pois a maioria delas são negras, pobres e faveladas; nas mortes que ocorrem nas filas dos hospitais públicos, cuja maioria dos que são atendidos são negros; nas mortes massivas da população de rua, pois a cor que mora nas ruas do Rio e do Brasil é negra. O genocídio negro está presente também dentro das cadeias masculinas e femininas, e sabe por quê? Porque cerca de mais de 60% da população carcerária é negra. E dentro também das instituições de menores, já que a maior parte dos internos dessas cadeias infantojuvenis, é de jovens negros.

Dessa forma, a Vereadora Marielle Franco, combatia o racismo na sua totalidade e por esse motivo deveria ser calada? Pois sua morte, fez com que várias questões fossem levantadas e sua voz passou a ecoar muito mais alto e alcançando lugares onde ela, em vida, não tinha sido ouvida. Tentaram, mas não conseguiram calar Marielle, sua fala e seu discurso passaram a ser multiplicados por cada canto desse planeta. É como se ela ainda estivesse em cima do palanque no Buraco do Lume, no Centro da Cidade do Rio, falando em seu megafone e caixas de som espalhadas pelo mundo reproduzissem sua voz e sua fala para aqueles que se identificam com seu discurso e para os que não se identificam também. Ela foi exaltada e virou um ícone que representa as minorias que defendia.

Mas, voltando ao dia 14 de março de 2018, em que perguntas óbvias foram feitas, mas que ainda não foram totalmente respondidas, e com a demora para serem obtidas as respostas, fez com que outra pergunta surgisse: Por que tanta demora para descobrir quem matou e quem mandou matar Marielle e Anderson?

Rio de Janeiro, 12 de março de 2019, 04h30 da madrugada, 362 dias após as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes, policiais da Divisão de Homicídios (DH), unidade da Polícia Civil do Estado Rio de Janeiro (PCRJ), fizeram uma operação no condomínio de luxo, Vivendas da Barra, situado na Av. Lúcio Costa, na Barra da Tijuca para prender Ronnie Lessa, policial militar reformado, apontado como o atirador que estava no banco de trás do Cobalt prata na noite do dia 14/03 e disparou contra a vereadora e seu motorista. A operação policial seguiu também até o endereço da Rua Eulina Ribeiro, no bairro do Engenho de Dentro, para prender Élcio Vieira de Queiroz, ex-policial militar, apontado como homem quem dirigia o carro, dando fuga ao atirador.

Na quinta-feira, dia 14 de março, o crime completou um ano com apenas uma pergunta respondida. Já se sabe quem matou a Vereadora Marielle Franco e o Motorista Anderson Gomes, mas não se sabe a mando de quem. Será o caso fechado como crime de ódio? Mas, por que simplesmente crime de ódio, se Marielle estava no início do seu mandato na Câmara de Vereadores e ainda não era tão conhecida no Estado do Rio e no Brasil? A quem interessava calar uma mulher negra e LGBT que estava praticamente iniciando sua carreira na política e defendia causas que não têm a ver com milicianos? E como já foi declarado por sua Assessora, Fernanda Chaves e pelo Deputado Federal Marcelo Freixo, a milícia não era alvo das pautas da Parlamentar. Por que atiraram em Anderson, se ele era apenas o motorista e o alvo, pelo que ficou bem claro, era a vereadora? Os tiros que o atingiram, não foram balas perdidas, pois ele foi alvejado com três tiros nas costas, vindo a falecer logo em seguida. Será que essas e outras perguntas só serão respondidas daqui a um ano novamente, apenas no dia 12 de março de 2020?

Não, o caso Marielle e Anderson ainda não foi solucionado com a prisão desses dois suspeitos, e pelo visto, está muito longe de ser solucionado. Não se sabe quem é o mandante desse crime brutal e o porquê dele ter mandado executar a vereadora e seu motorista. Ainda não se sabe em que as pautas que Marielle defendia o atingia, a ponto de despertar tanto ódio. Não se pode dizer que o assassinato da parlamentar foi planejado e articulado por Ronnie e Élcio, já que os dois, pelo que consta nas investigações, não a conheciam. Eles fizeram várias pesquisas sobre sua vida e rotina, inclusive sobre sua família. Ainda há muitas lacunas em aberto, muitas perguntas sem respostas.

Mas, em meio a tantas perguntas sem respostas, a única coisa que sabemos e temos total certeza é de que não conseguiram calar Marielle Franco. Não conseguiram abafar o seu discurso e sua fala firme e forte em defesa das minorias. Não conseguiram manchar seu nome e sua honra como tentaram e ainda tentam nas redes sociais. Executaram Marielle para tirá-la do cenário político e impedir que ela seguisse com sua luta, mas a cada dia ela se faz mais ativa, pois aqueles que a apoiavam, que a seguiam, aqueles que ela defendia não deixaram sua causa morrer junto com ela. Outras Marielles estão sempre surgindo no Rio, no Brasil e no mundo, lutando contra as desigualdades que ainda dividem a vida em milhares de pedaços.

Tentaram, mas não conseguiram fazer com que a mulher negra da favela, filha, mãe, esposa, LGBT, vereadora eleita democraticamente com 46 mil votos, fosse calada. Que essa voz esteja sempre PRESENTE.

*Matéria exibida na Edição do jornal da A Voz da Favela de Abril de 2019

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Carla Regina
Sou estudante do último período da faculdade de Jornalismo, gosto muito de ler e de escrever. Me acho simpática, pelo menos é o que me dizem as pessoas quando me conhecem, mas creio que eu seja sim, pois adoro fazer novas amizades e conservar as antigas. Comunicativa, dinâmica e muito observadora, um tanto polêmica. Gosto muito de trabalhar em equipe, mas, dependendo da situação, a minha companhia para trabalhar também é ótima. Pois, na minha opinião, a solidão aguça a criatividade, fazendo com que a mente e os pensamentos fluam um pouco melhor. Comecei a trabalhar muito nova, ainda quando criança e já fiz muita coisa na vida, mas meu sonho sempre foi ser Jornalista e Historiadora, cheguei a ter muitas dúvidas de qual faculdade cursar primeiro, já que para mim as duas carreiras são maravilhosas. Então, resolvi entrar primeiro para o Jornalismo e no decorrer do curso percebi que cursar a faculdade de História não era só uma paixão, mas também uma necessidade para linha de jornalismo que que pretendo seguir. Como sou muito observadora e curiosa, as duas profissões têm muito a ver com minha pessoa. Amo escrever e de saber como tudo no mundo começou, até porque. tudo e todos tem um passado, tem uma história para ser contada.