O dia 14 de março de 2018 foi um dia muito triste. Assassinaram Marielle Franco, mulher negra, oriunda de favela, ou melhor, como ela gostava de se autorreferinciar: “cria da Maré”, ativista, militante, intelectual, guerreira e liderança popular. Era um quadro político, rompia com o enquadramento branco e heteronormativo de fazer política, pois a imagem que fica dessa mulher é aquela de sorriso estampado no rosto nas mobilizações e a seriedade de quem sabe o que quer.
Marielle ousou sonhar alto, lutar e ocupar espaços que a casa grande sempre nos negou. Quem teve oportunidade de vê-la em trabalho na Câmara dos vereadores, pôde constatar que ocupava aquela cadeira com altivez, sagacidade, competência e audácia de quem sabia ao que veio: atuar de forma coerente e respeitosa aos que a elegeram e a representar todas e todos de sua origem social.
Marielle simbolizava a esperança para toda uma geração que teve seus direitos civis, políticos e sociais retirados durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), bem como da geração da qual ela mesma fazia parte, e mais, da juventude negra que hoje goza de algumas conquistas alcançadas por lutadoras e lutadores que, também, deram suas vidas para acessarmos alguns direitos – ainda que insuficientes.
O assassinato de Marielle desmascara a hipocrisia da democracia brasileira, escancara o que há muito denunciamos: o RACISMO. Este entendido como mecanismo privilegiado de manutenção do poder aos que sempre o teve. Matar Marielle foi um ato de dizer abertamente que a casa grande não vai tolerar pretas e pretos ocuparem aqueles lugares que sempre foram deles.
No entanto, nós, pretas e pretos, fomos às ruas dizer basta ao extermínio da população negra, pois o Brasil inteiro entendeu que não foi somente um crime político, foi também um crime de ódio contra aquelas e aqueles que edificaram e edificam esse país. É importante sabermos e escancararmos que há no Brasil um segmento populacional, que tornou força desde as mobilizações de 2013, sob a bandeira de anticorrupção e que dirige suas bandeiras de lutas contra determinados grupos sociais: às negras e aos negros, à comunidade LGBT, aos indígenas, aos migrantes, às mulheres etc. Esse tipo de prática já ocorreu outras vezes, e não nos esqueçamos que o limite das ações desse tipo de gente resultou no maior holocausto terrestre: a escravização de milhões de pessoas. Pois o que justificaria um grupo étnico escravizar outro senão a suposta superioridade racial?
Esse crime contra Marielle nos explicita que o ódio que destinam à população negra é capaz de chegar em seu limiar na democracia: o homicídio. Forma política essa, nunca vivida por quem mora nas periferias e favelas, pois não é de hoje que muitas vezes não saímos de nossas casas porque há trocas de tiros; também não é de hoje que a polícia militar invade nossas casas quebrando e destruindo tudo, sem mandado de busca e apreensão; e não é novidade termos nossos corpos estirados e arrastados pelo chão porque a polícia se acha no direito de matar preto.
Marielle, como representante de quem sofre todas as atrocidades dentro e promovidas por esse Estado de “direito”, atreveu-se a denunciá-las e a dizer basta, e tão logo, essas forças reacionárias quiseram calar a voz dela. Sim, perdemos Marielle. Dói, dilacera o peito, produz uma indignação que poderia e deveria nos levar a construção de uma outra ordem social em que a vida humana fosse a principal preocupação. Fomos às ruas mostrar que não nos calarão e não matarão os nossos sonhos. O Brasil inteiro saiu às ruas para dizer que Marielle era símbolo de resistência, afeto, intelectualidade e luta. Se engana essa gente que acha que recuaremos, pois somos um povo que resistimos desde África e cá estamos e continuaremos. Marielle representa a força da mulher negra, da juventude e continuaremos sua luta porque é a nossa luta. E a resposta foi dada: Racistas não passarão!!!