Charge: Laerte.

No Brasil, desde 2014 a discussão sobre “ideologia de gênero” vem ganhando espaço nos meios políticos e educacionais. O que poucos sabem é que tal expressão surge no final da década de 90 no seio da Igreja Católica, ganhando força mais especificamente em 2002, em documentos (religiosos) oficiais que se propunham a combater o que na Europa já era nomeado e demonizado como “teorias do gênero”.

Esse pequeno artigo objetiva trazer reflexões e conteúdos informacionais acerca dos diversos significados que essa expressão tem tomado não só no meio político, mas entre todos (as) os (as) cidadãos (as) do nosso país. As informações apresentadas partem de estudos e pesquisas na área de gênero, sexualidade e educação, diferentemente dos conteúdos disseminados pelo o que hoje conhecemos por “fake news”.

Sendo assim, espera-se que os (as) nossos (as) leitores (as) possam refletir e compreender aquilo que é e o que não é a tal “Ideologia de Gênero”.

Como surgiu a expressão “Ideologia de Gênero?”

A expressão “ideologia de gênero” não surge no Brasil como muitos acreditam. Antes disso, na Europa, já se utilizava o termo “teorias de gênero” para criticar e combater o ensino e as discussões sobre gênero e sexualidade nos espaços educacionais. Um fator importante e que precisa ser compreendido é que esse combate e críticas direcionadas às teorias de gênero nascem no seio da Igreja Católica, que enxergava o gênero, a orientação sexual e a luta pela igualdade entre os papéis de gênero como um ataque á concepção biológica do que é ser “homem” e ser “mulher”. Essa concepção fundamentada pelos difusores da “Ideologia de Gênero” está baseada em preceitos religiosos, que enfatizam a defesa de uma família nuclear (patriarcal), que há muito tempo vêm sendo questionada por movimentos sociais como o feminismo e o movimento LGBT.

O que a sociologia entende por Ideologia de Gênero?

A sociologia é uma ciência que não se baseia em meras especulações e sim em pesquisas que buscam compreender a realidade social.  A sociologia, inclusive, é uma área de conhecimento que contribui para a compreensão da discussão sobre gênero e sexualidade no ensino médio, podendo atribuir melhoras significativas acerca de problemas presentes no ambiente escolar como o machismo e a lgbtfobia.

A socióloga Annie Kroska (2017) trabalha a Ideologia de Gênero como um conceito sociológico, que pode refletir ideologias de papeis de gênero. Nesse sentindo podem existir Ideologias de gênero tradicionais, Ideologias de gênero feministas e Ideologias de gênero liberais, por exemplo.

Refletir sobre a ideologia de gênero de forma sociológica é de extrema importância para a desmistificação do que muitas vezes vem sendo difundido por meios de comunicação. A ideologia de gênero, nesse sentido, não se trata de um significado fixo, e sim carregado de discursos, hegemônicos ou não. Sendo assim, dentro da lógica de Annie Kroska, poderíamos pensar o que hoje vem sendo discutido no Brasil por “Ideologia de Gênero” é uma ideologia tradicional de gênero, que inclusive reforça a naturalização das desigualdades entre homens e mulheres a partir de uma ótica biológica.

O que os grupos que combatem o ensino e discussões de gênero e sexualidade nos espaços educacionais compreendem por Ideologia de Gênero?

Por outro lado, grupos políticos mais tradicionais vêm difundindo a “ideologia de gênero” como uma ameaça à educação e saúde de crianças e adolescentes. Segundo essa perspectiva, o ensino de gênero e sexualidade nas escolas promove problemas como sexualidade precoce, doutrinação política, ensino de sexo explícito e confusão na mente de alunos(as) acerca de suas próprias identidades. Torna-se importante ressaltar que existe no Brasil grupos, sites e blogs que incitam e direcionam os pais e responsáveis de estudantes a denunciarem professores (as) que falem ou discutam sobre gênero e sexualidade em sala de aula.

Por que é importante discutir sobre Ideologia de Gênero e o que isso tem a ver com vidas nas favelas? 

Segundo O Relatório de Violência LGBTfóbica elaborado em 2016, há um aumento no número de casos de tal violência no Brasil. O Grupo Gay da Bahia aponta que no ano de 2018 foram registradas 420 mortes – por homicídio ou suicídio decorrente da discriminação – de integrantes da população homoafetiva e transexual. Em relação à violência contra mulheres, segundo o Atlas da Violência do Ipea e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2017 foram assassinadas nove mulheres negras por dia no Brasil. Dez anos antes, em 2007, elas correspondiam a pouco mais da metade (54%) das ocorrências.