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O barulho permanente dos latidos e miados de 3.500 animais abandonados é o som ambiente nos corredores da Clínica da Família Anthidio Dias da Silveira, no Jacarezinho, Zona Norte do Rio de Janeiro. A unidade de saúde, instalada na entrada da comunidade, fica localizada embaixo de um viaduto e colada à Sociedade Internacional Protetora dos Animais (Suipa), que acolhe os animais domésticos abandonados pelas ruas de toda a capital. “Para quem vem de fora, o som dos latidos é ensurdecedor. Mas a gente já está tão acostumado que só percebe quando alguém comenta”, sorri Cyntia Amorim Guerra, a gerente da clínica.

Entre 126 grupos de bairros da cidade do Rio de Janeiro, o Jacarezinho apresenta o sexto pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da capitalº. O índice mais atualizado, do ano 2000, leva em conta três aspectos para a avaliação: renda, expectativa de vida e educação. Os dados do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que no Jacarezinho o valor do rendimento mensal dos trabalhadores com 10 anos ou mais é de R$ 411,25, em média¹, em uma população estimada em quase 30 mil pessoas².

A vulnerabilidade da região e a violência associada ao tráfico de drogas durante muito tempo foram causas da intensa rotatividade de médicos no centro de saúde. Apesar da instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em janeiro de 2013, o histórico da comunidade seguia afastando os médicos da região.

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Lotado na clínica desde abril do ano passado, o enfermeiro Gabriel Faria Júnior trabalha com saúde da família há dez anos, e foi testemunha dessa realidade: “Com o IDH do Jacarezinho como um dos piores do município, existe um certo estigma sobre essa área, e quando você entra na comunidade o cenário é impactante. Não é o ambiente que você vê em um consultório ou um hospital particular. E como na região Sudeste tem muita oportunidade de trabalho, os médicos acabavam optando por não ficar aqui”.

Segundo Gabriel, em um período de seis meses no ano passado houve oito trocas de médicos na clínica. Dentro da equipe de saúde da Fazendinha, onde ele atua, passaram três médicos diferentes no mesmo período. “A gente não conseguia captar médicos com o perfil necessário. Ou eram recém-formados, que ficavam aqui com a expectativa de angariar fundos para cursar a sua residência fora, ou profissionais em final de carreira que não estavam envolvidos com a estratégia de saúde da família, ou tinham um certo preconceito em entrar no território, por conta da marginalização social”, conta o enfermeiro.

Trabalhando no centro há oito meses, Cyntia diz que administrar a unidade se apresentou como um grande desafio. “Quando eu cheguei aqui, a clínica tinha oito equipes de saúde da família e apenas três médicos. A gente sofreu muito até a chegada do programa. Hoje eu tenho sete médicos, sendo três deles cubanos.”

A primeira médica cubana chegou à unidade em dezembro de 2013. Em março deste ano, chegaram mais dois médicos de Cuba. “Eu senti uma diferença muito grande porque a população tem a confiança de que eles não vão embora. A comunidade tinha essa insegurança porque esse era o ciclo: o médico chegava, conhecia a região, e quando ia para a comunidade, pouco tempo depois desistia e abandonava a clínica. Quando o paciente voltava para apresentar o resultado de algum exame ou seguir com o tratamento, ou aquele médico já não estava aqui, era um profissional novo, ou não tinha médico para atender”, conta ela.

O médico cubano Rolando Betancourt March diz não se sentir intimidado pela Favela do Jacarezinho, onde deve permanecer pelos próximos três anos, trabalhando de segunda a sexta: “Todas as vezes que eu entrei no território com os agentes comunitários, não tive problemas, até em regiões onde estão usando drogas. Eu não sofri nenhum tipo de violência, pelo contrário: as pessoas até nos cumprimentam na rua e agradecem o atendimento”

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A fórmula é a integração com a comunidade

A agente comunitária de saúde Isabel Cristina Fernandes apoia o programa incondicionalmente, e dá um testemunho muito positivo da relação com os médicos de Cuba: “Os médicos cubanos têm uma facilidade grande de se integrar, de se enturmar com o pessoal daqui do Jacarezinho. Eles não olham ninguém de cima para baixo, existe muita simplicidade neles.  Eles são assim, como se fossem amigos, como se já conhecessem a gente há muito tempo. Eles não têm medo. Eles são médicos, mas agem como se fossem um de nós, e a comunidade gosta disso”, resume.

“A fórmula inicial é simples: se nós conseguimos integrar a comunidade com os médicos, vamos alcançar os melhores resultados de saúde da população”, diz Rolando. O médico conta que as maiores incidências na comunidade são hipertensão, diabetes, tuberculose e HIV, com abandono de tratamento, e daí a necessidade de fortalecer os laços entre os profissionais de saúde que atuam no local e a população. “Muitas doenças se podem prevenir para não ter que curá-las depois, o que é mais difícl. Aqui há muita carência em todos os níveis, muita desinformação sobre saúde de família, muito abandono social e familiar, maus hábitos higiênicos, sanitários e uso de drogas”.

Gabriel acredita que o bom momento que a Clínica da Família Anthidio Dias da Silveira atravessa é o resultado de uma série de esforços em diferentes áreas, e que essa linha de atuação deve ser mantida: “Todo esse movimento que vem acontecendo, com a chegada do Programa Mais Médicos, com a visão mais ampliada do que é a Estratégia de Saúde da Família, as reuniões das lideranças comunitárias, a instalação da UPP, tudo isso tem criado um movimento mais positivo, da população entender melhor o que é o programa, ter mais confiança e acreditar que é possível melhorar”.

Além de uma ação contínua e comprometida única e exclusivamente com o bem estar social, Rolando afirma que outro fator fundamental para que o trabalho evolua é contar com uma participação integrada de todos os profissionais de saúde. A equipe em que ele trabalha conta com uma psicóloga, uma nutricionista, um trabalhador social, uma dentista e uma enfermeira, além dos agentes comunitários que cobrem toda a região e do pessoal administrativo. A clínica da família conta ainda com quatro médicos residentes brasileiros em formação. “Eu me apoio neles na interação com a comunidade. Realmente tem sido uma experiência bonita e agradável de trabalho em equipe”, diz o médico.

Medicos Jacarezinho

Na visão de Cyntia, além da permanência dos médicos e da continuidade do trabalho, outro importante ponto positivo do Programa Mais Médicos é justamente essa troca de experiências e de saberes entre os profissionais dos dois países: “O nosso modelo de atenção está mudando; o Brasil não tem um histórico de atenção primária. E em Cuba, a atenção primária é fundamental. Trazer esse conhecimento de erradicar algumas doenças e de fortalecer a atenção primária para evitar que a doença progrida e vire algo que necessite de cuidado hospitalar lá na frente é uma troca de experiências muito importante. Eu senti no início um estranhamento dos médicos brasileiros com os médicos cubanos, mas hoje eu vejo que até eles estão percebendo esse ganho que o programa traz com o convívio com a medicina de Cuba”, afirma ela.

Série Mais Médicos – Vídeo

A OPAS/OMS no Brasil estruturou uma série de reportagens sobre o Programa de Cooperação Técnica Mais Médicos. A cada edição, será apresentado um vídeo mostrando a experiência do programa em algumas regiões do país, iniciando pelo Rio de Janeiro.

O objetivo dos vídeos é refletir, em linhas gerais, o andamento da cooperação, desde a chegada dos médicos cubanos, o processo de formação, a integração com outros profissionais, a percepção da população, os primeiros resultados obtidos, os avanços, os processos de inovação e a troca de experiências.

Neste terceiro episódio, Favela do Jacarezinho, o vídeo mostra como acontece o trabalho dos médicos cubanos na Clínica da Família Anthidio Dias da Silveira pela visão de uma agente comunitária de saúde, de um enfermeiro e da gerente da unidade. Acompanhamos ainda uma visita domiciliar pelas ruas da comunidade.

   CF Anthidio Dias da Silveira
A Clínica da Família Anthidio Dias da Silveira AP 32 (CNES 6808077)³, atende a uma população de aproximadamente 22 mil pessoas, conta com oito equipes de saúde da família e 123 funcionários, entre médicos, administrativos e profissionais de saúde. Presta atendimento ambulatorial e demanda espontânea, além de realizar visitas domiciliares. Funciona de segunda a sexta.

O Programa Mais Médicos

O Mais Médicos é um Programa de saúde lançado em 08 de julho de 2013 pelo Governo Federal, cujo objetivo é suprir a carência de médicos nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades do Brasil.

Médicos brasileiros tiveram prioridade em preencher as vagas do programa. As vagas remanescentes foram oferecidas primeiramente a brasileiros formados em universidades no exterior e em seguida a médicos estrangeiros, que trabalham sob uma autorização temporária para praticar Medicina, limitada à provisão de atenção básica de saúde e restrita às regiões onde serão direcionados pelo Programa.

A OPAS/OMS no Brasil e o Ministério de Saúde assinaram um Termo de Cooperação para colaborar na expansão do acesso da população brasileira à atenção básica de saúde. O termo inclui diversas linhas de ação, desde documentar, disseminar informação a prover aconselhamento técnico e apoio à capacitação e treinamento continuado aos médicos selecionados, seguindo as recomendações do Código Global de Práticas em Recrutamento Internacional de Pessoal de Saúde da OMS. A OPAS/OMS também assinou um Acordo de Cooperação de natureza similar com o Ministério de Saúde Pública de Cuba.

Os médicos cubanos vão trabalhar nos municípios que não foram selecionados por nenhum médico (brasileiros ou estrangeiros) nas primeiras rodadas de recrutamento. A maioria destes municípios tem 20% ou mais da população vivendo em extrema pobreza, a maioria está nas regiões Norte e Nordeste do país. Todos os médicos fazem um treinamento de 3 semanas de duração, uma semana de acolhimento nos estados aos quais serão destinados e um módulo de avaliação.

Agradecimentos
Secretaria Municipal de Saúde – Prefeitura do Rio de Janeiro
Agência de Notícias das Favelas

Referências

ºArmazém de Dados da Prefeitura do Rio de Janeiro. Tabela 1172 – Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH), por ordem de IDH, segundo os bairros ou grupo de bairros – 2000. Acessado em: 10/09/2014.

¹Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Acessado em: 10/09/2014.

²Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Acessado em: 10/09/2014.

³Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).  Acessado em: 10/09/2014.