Por Luiza Sansão
Difusão de informação e da cultura da periferia, investimento na consciência social, na organização dentro da comunidade e muita disposição. Esses são alguns dos elementos que motivaram a criação da rádio comunitária Mega FM, em 1997, no bairro Santa Cândida, em Juiz de Fora, Minas Gerais.
Questionando a maneira como a comunidade era noticiada na grande mídia e com um projeto de conscientizar e atender aos anseios dos moradores do Santa Cândida e de mais dez comunidades, DJ Nonô, técnico em eletrônica, Adenilde Petrina Bispo e figuras que trabalhavam com sonorização na comunidade, se uniram ao pessoal do grêmio estudantil da escola do bairro (Escola Estadual Cândida Motta Filho), que mantinha uma rádio que funcionava no recreio dos estudantes, e deram início à Mega FM, sintonizada no 90,7 e que teve sua sede fundada na casa dos irmãos Nonô e Adenilde.
Para dar início ao projeto, eles saíram às ruas perguntando aos moradores se estes topariam apoiar uma rádio comunitária, questionando a necessidade de organizar uma associação do bairro, pois existia uma associação, mas que estava nas mãos de um político da região, e que, portanto, não representava de fato a comunidade. Assim, a rádio foi montada como associação, após uma reunião em que foram definidas as funções que as pessoas desempenhariam.
“O objetivo da rádio, além de mostrar os trabalhos da comunidade, era dar vez e voz aos moradores, porque eles não tinham essa facilidade de falar nos meios de comunicação comerciais, e também porque tinha muita gente que produzia poesia, produzia música e não tinha onde tocar. O pessoal esperava que a rádio unisse a comunidade, tanto é que o objetivo era a rádio ser fonte para a fraternidade, levar formação, informação, consciência e dar voz e espaço a quem não tinha.”, conta Adenilde, 58.
As rádios comunitárias são importantes por darem condições às classes populares de se expressarem, uma vez que estas são geralmente excluídas dos meios de comunicação de massa. “Nos meios de comunicação comerciais, a comunidade só aparece por causa de violência, por causa do tráfico… Por ser, até a época em que a Mega começou, um bairro muito sem infra-estrutura, as pessoas tinham vergonha de morar aqui no bairro, porque aparecia [na mídia] só de forma negativa.”. Sabe-se que o mesmo ocorre com as diversas comunidades da periferia de cidades espalhadas por todo o Brasil: assim é no Rio de Janeiro, assim é em Juiz de Fora.
A Mega FM cumpriu verdadeiramente seu papel como “comunitária de verdade”, slogan que utilizava. Apresentava uma programação diversificada gerida pela comunidade, abrindo espaço para diferentes manifestações artísticas, culturais, religiosas e políticas, mantendo-se apartidária e laica, além de permanentemente crítica ao defender os interesses da comunidade. Logo no início, “apareceu gente pra fazer programa de samba, de rock, de pagode de raiz, sertanejo, de jazz, de blues, religioso…”, conta Adenilde. Assim, a rádio informava, divulgava as atividades desenvolvidas pela comunidade, incentivava e criava condições para as apresentações musicais dos moradores, conscientizava.
Durante o período em que a rádio esteve no ar, diversos movimentos sociais se manifestaram na rádio, como o Movimento Negro, o Movimento Gay, Pastoral da Criança, movimentos religiosos, dentre muitos outros.
Foi assim, inclusive, que, em Juiz de Fora, nasceu o movimento hip hop. DJ Nonô criou um programa na rádio chamado “Hip Hop Brasil” em que só punha raps de São Paulo, como Racionais MC’s. Segundo Adenilde, os estudantes começaram a curtir muito o rap e o pessoal da comunidade começou a se envolver com a cultura hip hop: surgiram grupos fazendo suas músicas, dança e grafite na comunidade. Gente de Brasília foi para a cidade dar uma força: levaram mais cd’s, apresentando outros grupos de rap, ensinaram o pessoal a grafitar. Depois o MV Bill esteve também na cidade e aí aconteceu um contato maior com o rap do Rio de Janeiro. Rapidamente o movimento hip hop cresceu nas comunidades juizforanas, com a Posse de Cultura Hip Hop Zumbi dos Palmares, Harmadilha do Guetto, Banda de Cultura Racional, Galera de Cristo e outros grupos.
Até então, o contato com o Rio havia se dado por meio da CUFA (Central Única das Favelas) e da rádio comunitária Novos Rumos, de Queimados, que foi a primeira comunitária de que Nonô teve notícia e cujos integrantes transmitiram experiências para a comunidade juizforana. A Novos Rumos surgiu em dezembro de 1990 e chegou a ser fechada, mas, devido à mobilização popular, foi reaberta, representando um exemplo de resistência que deve caracterizar veículos como esse, que se pretendem transformadores sociais. A rádio Novos Rumos é uma rádio organizada e que cumpre seu papel de fato, dando voz aos moradores da Baixada Fluminense.
Houve também um contato intenso com a Rádio Favela, de Belo Horizonte, que teve grande contribuição na Mega, com visitas, informações e palestras do Misael, criador da rádio.
A Mega também se tornou um exemplo de resistência entre as comunitárias do Brasil. A rádio teve seu transmissor lacrado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) em 2003 e o pedido de deslacre negado em 2004. Em 2002, teve seu pedido de autorização negado pelo Ministério das Comunicações que, no mesmo período, deu concessão a uma rádio evangélica, a Life. Em 2004, o Ministério das Comunicações negou seu novo pedido de autorização e de revisão do processo, que foi arquivado, por conta da existência da Life, já que não pode haver mais de uma rádio “comunitária” na mesma região, sendo que a Life não cumpre esse papel, não funciona como uma comunitária de fato.
A rádio comunitária do Santa Cândida contribuía na redução do envolvimento dos jovens da comunidade com as drogas e com o crime, e a sensação que se tem é a de que a violência na comunidade cresceu desde que a rádio saiu do ar. A Mega funcionava como um estímulo à produção artística e à crítica social, base para a educação dos jovens, sem a qual fica muito mais difícil mantê-los longe da criminalidade.
A rádio foi tirada do ar em 2005, quando dois de seus coordenadores foram processados. Ainda assim, segundo Adenilde, a comunidade deseja muito o retorno da rádio e a idéia é conseguir pô-la de volta no ar: “Não desistimos da idéia, porque a gente vê a importância [de a rádio voltar pro ar]. Primeiro, porque todo mundo pergunta, todo mundo quer a volta da rádio. E, segundo, porque a gente viu como foi [a cobertura] das eleições, como a mídia comercial fez e a gente não concordou, porque a mídia toma partido, o partido da classe alta e, da classe baixa, não tem ninguém que tome partido, na verdade. Disso a gente já sabia e ficou escancarado agora. Então a gente quer de volta a rádio para ser porta-voz da periferia, das classes populares, dos movimentos sociais”.