Visto-me com um olhar cabisbaixo, na expectativa de que o dia passe depressa. A vida já não está como antes. Ir para o trabalho já não é como antes. Pois bem, o dia me aguarda.
No ônibus, os prédios me encaram, não demonstram nenhuma compaixão. Desço no ponto e atravesso a rua. Lá está ela. Entro pelo portão principal, caminho em passos curtos, porém pesados. Ah, não posso me esquecer do sorriso no rosto.
Bolinhas de papel, insultos inflamados, falta de atenção, desleixos no geral. Este é o cenário que percebo. Hoje, pode não parecer, mas ainda preciso dar mais três tempos. Findo o cabeçalho, viro-me, observando os ditos alunos, e tento manter um semblante equilibrado, inaugurando, assim, a minha voz no dia:
– Bom dia. Na aula de hoje, daremos continuid…
Risadas, balbúrdias e algazarras me desequilibram emocionalmente. Saio de sala, pergunto a Deus o que estava fazendo por mim naqueles momentos. Encontro-me em prantos no banheiro. Vejo os minutos passando… Eu estou com medo.
Dentro de sala, agora no último tempo, um dos alunos me ataca com palavras, desnorteia-me com um soco. A poesia que estava no quadro se reparte em versos de mim. O breu afunda-me na tristeza.
Fora dali, horas depois do ocorrido, sou abordado por um rapaz em situação de miséria, com o uniforme surrado, dizendo que escreveu um poema sobre tudo aquilo que eu vinha passando:
“Professor, você é importante por todas as lições que eterniza. Deus é o poeta que versou a sua existência. Ele enxugará cada lágrima que o mundo, sem piedade, maximiza. Dará aos caminhos sem rumo o prazer da coerência.”
Olho para ele, que está todo orgulhoso, reparo em cada nuance. De repente, sou invadido por uma luz. Sim! Mais um surto meu.
Seria um final feliz… Se eu tivesse a coragem de sair para dar aula hoje.
* Matéria publicada no jornal A Voz da Favela, Rio de Janeiro, fevereiro 2019.