Entrevistamos Mônica Lima, uma autêntica representante indígena, que vai nos contar sua trajetória política e como se posiciona diante de temas do cotidiano, como o feminismo, o sistema e a cultura do seu povo nos dias atuais.
Quem é Mônica Lima?
ML: Eu sou uma mulher indígena, tenho três filhos, três meninos e um deles adotivo, o mais novo. Desde a infância busco resgatar a cultura indígena porque convivi muito pouco com meu avô, que veio da Amazônia à força para trabalhar aqui no Rio de Janeiro. Vivi esse vazio durante muito tempo nessa procura de estar aqui no Rio de Janeiro e continuar vivendo a cultura indígena, diante de uma cultura que nos massacra o tempo todo. Principalmente a indígena, que pra muitos já foi exterminada, mas não foi e os indígenas estão aí e estão sendo mortos diariamente na luta pela terra, pelo seu território pelos fazendeiros, madeireiros, o sistema econômico. Então o meu povo continua sendo exterminando, ainda mais nos últimos governos. Sou uma pessoa que me envolvo muito com a vida política e desde cedo que eu sou assim muito critica, de correr atrás e resolver as coisas coletivamente, pois na cultura indígena é assim e com isso eu sou uma pessoa muito perseguida.
Como mulher indígena, como você enxerga o papel da mulher na sociedade?
ML: A gente vive no sistema do patriarcado. Na minha cultura lá atrás, a gente vivia o matriarcado e nesse atual regime a gente vê toda a violência contra mulher, não só a física como a psicológica. Somos atacadas o tempo todo e temos uma escala de trabalho muito pior, pois a gente que dá conta de tudo e a maioria das mulheres se encontram sozinhas com seus filhos. Então, pra nós mulheres essa sociedade ela acaba nos matando e a gente se torna realmente invisível. Não pela razão de tirarmos essa força de nós, mas é como se estivéssemos dando murro em ponta de faca trabalhando contra esse sistema. E por isso a gente sente muita raiva, eu também sinto. E a mulher quando ela não compreende o que é o sistema ela acaba jogando toda essa raiva em cima de outra mulher. A sociedade faz isso, as mulheres passam a ser inimigas umas das outras e uma passa a oprimir a outra. Só que é o inverso, uma mulher precisa cuidar, respeitar e ter solidariedade com a outra. Isso de maneira geral na sociedade, mas a mulher ela vive uma o pressão maior dentro dela, não é como a de um homem, cheia de privilégios e do seu poder.
Como é viver nos dias atuais sendo uma mulher indígena?
ML: Se o índio já é tido como invisível, imagina a mulher indígena, que tem toda uma cultura diferente? A nossa cultura, com a nossa ancestralidade tem tudo a ver uma cosmovisão, que é o lidar com o cosmo e com a natureza e é através do nosso corpo, a gente vive essa natureza e esse cosmos. Então imagina um sistema um sistema que quer acabar com isso o tempo todo. E aqui mesmo, as mulheres brancas sofrem pela razão de que alguns médicos hoje em dia não querem nem que a mulher menstrue mais e dizem que ela pode tomar o anticoncepcional direto que é até melhor que ela não menstrue mais. E isso é completamente contra a natureza da mulher, dos ciclos dela que seguem muito o ciclo lunar. Tanto que o melhor para uma mulher é ela coincidi-lo com o seu ciclo lunar, mas pra poder fazer isso ela precisa se conhecer, ela tem que entender muita coisa dela mesma até conseguir isso. Tudo pela razão de, aqui na terra, a lua reger a água e o sangue, seja ele menstrual ou não é água. Você vê que nos partos os bebês nascem à bolsa que se rompe é água, em mudanças de lua, assim como as marés se movimentam porque a lua que está regendo e várias coisas hormonais.
E a questão da maternidade, como que é essa relação tanto da mãe quanto do filho com as demais pessoas?
ML: É outra cultura, diferente dessa que a mulher fica isolada quando tem filho; precisa-se esconder ela e o filho. Na indígena não, a criança está ali fazendo tudo com a gente e todo mundo é responsável por ela, não só a mãe, até pela razão das tarefas serem divididas. Uma mulher indígena está acostumada a participar dessa coisa toda. Não é que não tenha racismo (e leia-se também machismo), mas é bem diferente daquele praticado por nós, é outro tipo de vida.
Além de professora do sistema prisional, do ensino básico e universitário, você também é uma ativista e possui um histórico com manifestações, chegando até a ter uma perna quebrada pela polícia. Como foi isso?
ML: Foi no dia 15 de março de 2017, um ato que teve grandioso contra a reforma da previdência e trabalhista. Aconteceram várias coisas nesse dia e eu não estava muito, tinha até desistido, mas isso é a espiritualidade falando, mas a gente na correria não para pra ouvir o seu interior. O tempo indígena é outro e o lidar com o tempo pra gente é diferente. Então eu peguei o metrô pra pegar o trem na Central, mas aí eu pensei “não, é meu compromisso político”. Assim, desci na Uruguaiana e o “engraçado” é que nesse ato eu não encontrei ninguém conhecido. Chegando à Central, começou a pancadaria, o enfrentamento da polícia com o pessoal de e eu coloquei meu equipamento de proteção, que é uma máscara contra o gás até pelo fato de eu ter asma. Uso também um óculos e um capacete pra proteger de porradas e pedradas e um casaco acolchoado e acharam que eu era uma “Black-Block”. Eles empurraram o ato, mas eu não recuei, pois tinha que ir embora, pegar o meu trem na Central, mas não consegui passar, então eu comecei a filmar tudo e fiquei perto do pessoal da mídia e foi quando me agrediram e quebraram minha perna. Em pé mesmo eles começaram a me socar e quebraram meu chapéu; se eu não estivesse com material de proteção eu acho que não estaria nem viva ou teria tido um traumatismo. Imagine dois homens batendo, socando, chutando a uma mulher, aí levei um chute e caí; quem me socorreu foram uns jornalistas e manifestantes que ainda estavam ali. Fiquei com placa, quebrei minha perna em três lugares, fiquei de licença durante 6 meses e no ano passado eu tive que fazer outra cirurgia pra tirar os ferros todos que ficaram na minha perna.
A história da Mônica Lima, serve para pensarmos um pouco sobre os problemas enfrentados por ela e por tantas outras que não tiveram a oportunidade de falar, de contar suas histórias. Precisamos refletir sobre nossas ações e se elas contribuem para um amanhã melhor.