Dados inéditos compilados pelo Disque Direitos Humanos, o Disque 100, revelam que a violência policial é uma das grandes reclamações dos cidadãos ao governo federal. Apenas em 2017, foram recebidas 1.319 denúncias, uma média de 3,6 por dia. Nos primeiros seis meses de 2018, foram 736 chamadas, ou quatro chamadas por dia. O tipo de violação mais comum é a violência física. Em segundo lugar, os cidadãos reclamaram de violências psicológicas, seguidas por casos de negligência e tortura ou tratamento degradante.
O balanço das denúncias recebidas entre 2011 e o primeiro semestre de 2018 foi obtido pela Agência Pública por meio de um pedido feito pela Lei de Acesso à Informação ao Ministério de Direitos Humanos (MDH), responsável pelo serviço. O Disque 100 é um serviço 24 horas que recebe ligações gratuitas de todo o Brasil. As queixas são anônimas e registradas por uma equipe de call center.
Durante todo o período, foram 7.856 denúncias, que tiveram 9.496 vítimas. O número de denúncias quase triplicou desde 2011.
Ao mesmo tempo, o Disque 100 recebeu 165 registros de violações de direitos humanos sofridas por policiais militares.
Segundo a assessoria de imprensa, os registros são analisados e enviados para a ouvidoria do MDH e órgãos competentes como conselhos tutelares, defensorias estaduais, Ministério Público e delegacias de polícia. Uma das funções do MDH é acompanhar para que essas violações sejam investigadas. Em 2017, foram feitos 349.270 atendimentos. “Todas as denúncias são encaminhadas, no prazo máximo de 72 horas, para os órgãos e entidades com competência legal para adotar medidas protetivas e para investigar a situação de violação relatada”, explica a assessoria de imprensa.
Violência na rua e no presídio
Antes de 2017, apenas o ano de 2014 registrou tantas ligações sobre violações cometidas por policiais – foram 1.362. Após inaugurado o serviço, a tendência foi de aumento ano a ano até 2015, quando houve uma queda de 27%. Depois disso, as denúncias voltaram a subir, conforme mostra o gráfico abaixo.
Entre as vítimas de violência policial de 2011 a 2017, 61,7% eram do sexo masculino e 13%, do feminino. Os demais não informaram.
Em relação à raça, um quarto era de negros e pardos, seguidos de brancos (12,5%). No entanto, mais da metade das queixas não informou a raça da vítima. Os dados abaixo referem-se ao período de 2011 a 2017:
O levantamento traz também informações surpreendentes, como a quantidade de crianças pequenas que foram vítimas de violência policial: entre 2011 e o primeiro semestre de 2018, foram 91 (de 0 a 7 anos) casos de violência contra crianças de até 7 anos e 381 entre 8 e 14 anos. Há ainda 142 vítimas com mais de 60 anos.
O disque-denúncia recebeu no mesmo período milhares de queixas de violações ocorridas dentro do sistema carcerário. Foram 421 registros de violência em unidades prisionais, 775 em cadeias públicas e 1.865 em presídios.
Além dessas instituições, o local mais frequente onde ocorreram as agressões policiais foram na rua (2.136), na casa da vítima (1.044) e em delegacias de polícia (782).
São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal
São Paulo e Minas Gerais são recordistas de denúncias ao Disque 100 em todos os anos registrados.
Geralmente pouco atrás das denúncias paulistas, em 2013 as ligações de Minas Gerais chegaram a 169 registros, enquanto São Paulo registrou 137 casos. No ano seguinte, a tendência se inverteu: foram 242 denúncias vindas de São Paulo e 144 de Minas Gerais.
Entre 2011 e o primeiro semestre de 2018, foram 1.231 denúncias vindas de São Paulo (15,6% do total) e 953 vindas de Minas Gerais (12,13% do total).
No entanto, se levarmos em conta a comparação com a quantidade de habitantes, São Paulo não figura entre as cidades com maior número de denúncias para o Disque 100. Destaca-se o Distrito Federal, que liderou em 2011, 2012, 2014 e 2015 e ficou em segundo lugar em 2016.
“O número de queixas é um indicador interessante, o poder público tem que estar atento a esse tipo de coisa, mas ele pode ser enviesado pelo tamanho da força policial. Em Minas Gerais tem 45 mil PMs, então é natural que o número de queixas seja bastante elevado”, diz Luís Felipe Zilli, pesquisador da UFMG e do Instituto João Bosco, afiliado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo ele, se levarmos em conta a taxa de mortalidade policial, a polícia mineira não figura entre as líderes. Mesmo assim, é difícil acompanhar as medidas para melhorar a performance por causa da falta de transparência. “Minas tem muito pouca governança sobre suas organizações policiais. O controle basicamente é realizado pelas instâncias internas das polícias.”
Já São Paulo costuma figurar entre as polícias com maior letalidade, perdendo apenas para o Rio de Janeiro, explica Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“A letalidade policial é um desdobramento dessa violência com o público. Projetando isso, deve haver um número muito maior de outras violências como o esculacho, por exemplo quando um policial vai abordar alguém e bate, xinga…” Ela ressalta ainda a porcentagem dos homicídios no estado causados pela polícia, cerca de 20%, a maior proporção do Brasil. “Uma peculiaridade de São Paulo é como isso vai sendo utilizado como plataforma política, com ex-PMs virando candidatos, e como isso encontra eco. Ainda existe aquela crença de que uma polícia forte é uma polícia violenta. Não é. É uma polícia que combate o crime, mas age dentro dos marcos democráticos.”
Se o controle dos estados é precário sob suas próprias forças policiais, o controle do governo federal é “absolutamente inexistente”, diz Zilli. “A gente não percebe nenhum tipo de iniciativa do MDH ou de qualquer outra instância no sentido de melhorar a investigação, punição, accountability ou controle da polícia em qualquer um dos estados.”
Samira Bueno concorda: “O governo federal tem se omitido, o pouco que existiu em reação a esse tema foi no final em 2009, 2010, 2011, inclusive com a primeira legislação em âmbito nacional que regula o âmbito da força. O governo poderia ter feito mais. Por exemplo: condicionar repasses de recursos a observância de determinadas normas sobre uso da força ou envio de estatísticas sobre uso da força”.
Violência contra policiais
As denúncias de violências sofridas por policiais também aumentaram desde o começo do Disque 100 – foram de 14 em 2011 para 47 em 2017.
Assim como nos casos da violência policial, São Paulo é o estado que registra o maior número de chamadas quase todos os anos – com exceção de 2013 e 2017, quando o Rio de Janeiro ficou na frente.
Os locais mais citados onde as violações ocorreram foram a casa do próprio policial e o local de trabalho.
Baixe aqui todos os dados sobre violência policial e aqui todos os dados sobre violência contra policiais recebidos pelo Disque 100.
Texto: Natalia Viana, da Agência Pública / Colaboração Carolina Zanatta