Estudo da University College London, publicado no European Journal of Social Psychology, afirma que o ser humano leva cerca de 66 dias para obter um novo hábito e continuar a fazê-lo naturalmente, sem ser coagido. Será então que as mudanças de comportamento adquiridas durante pandemia serão duradouras ou passageiras? E as cidades, se tornarão mais inclusivas e integradas ou tudo voltará a ser como antes?
Para o coordenador da FGV Transportes, Marcus Quintella, não haverá novidade no pós-pandemia em relação à mobilidade e ao transporte nas grandes capitais brasileiras. O que deve haver é uma conscientização maior da importância da higienização e da proteção. “Os engarrafamentos, as aglomerações nos ônibus e nas plataformas de trens e metrô vão continuar ocorrendo porque não há abrangência e integração física e tarifária dos meios de transportes. Não há uma capilarização do sistema, uma malha metroviária extensa para atender à demanda e diminuir distâncias e tempo de deslocamento”, afirma Quintella. Por outro lado, “os veículos motorizados particulares voltarão a ter um papel de destaque na sociedade, considerado como uma espécie de ‘armadura’ para proteção contra o contágio da Covid-19”.
A afirmação vai ao encontro dos dados da pesquisa “Mobilidade urbana e Covid-19: mudanças de comportamento e projeções para o pós-quarentena”, realizada pela NZN Intelligence. Das mais de 3 mil pessoas entrevistadas de todas as regiões do país, 48% disseram que pretendem usar o veículo próprio como principal meio de locomoção após a quarentena. O provável motivo é a preocupação com a segurança sanitária, já que a maioria (78%) acha que as cidades e empresas de transporte coletivo não estarão aptas a garantir a segurança da saúde dos passageiros após o isolamento social. Ainda assim, 31% das pessoas planejam usar majoritariamente o transporte público. Os respondentes também gostariam que as medidas de higienização no transporte compartilhado se intensificassem após a crise da Covid-19 (67%).
A segurança sanitária do transporte será preponderante na hora de escolher a forma appde locomoção no pós-quarentena (58%). O deslocamento a pé será o meio mais seguro nos próximos meses para 25% dos participantes e para 18% serão os aplicativos de carros. A moto foi apontada por 7% dos entrevistados, bicicleta própria por 13% enquanto as bicicletas e os patinetes compartilhados foram citados por apenas 1%.
Rafael da Costa Silva e a esposa, moradores de Inhaúma, zona norte do Rio de Janeiro, passaram a usar mais o aplicativo de carro na pandemia por se sentirem mais seguros. “Mesmo após o fim da pandemia, ainda que a vacina saia, vamos continuar usando o app pra poder nos locomovermos porque a gente tem medo de pegar coronavírus e passar para o nosso neném que só tem um ano”, diz ele.
Sobre a segurança sanitária em transporte coletivo, a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos) diz que as empresas de metrô e trens das principais capitais estão investindo em higienização e equipamentos para reduzir o risco de contaminação nas estações e veículos, como aparelhos para aferição de temperatura, túneis de desinfecção, equipamentos de proteção individuais para os funcionários, entre outras medidas.
Redução dos impactos negativos
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou o documento Brasil Pós-Covid-19, que inclui uma série de propostas para minimizar os impactos econômicos da pandemia sobre as empresas de transporte público e manter o acesso dos usuários ao serviço, com benefícios para os prestadores e usuários.
A primeira medida emergencial sugerida é priorização de recursos do Programa de Mobilidade Urbana e Trânsito para financiar a implantação de linhas em corredores exclusivos de ônibus.
As outras propostas de efeito a curto prazo são a redução de tributos sobre o óleo diesel, que representa até 23% dos custos das empresas, e a compra de créditos pelo governo federal das empresas operadoras de transporte coletivo urbano. Esses créditos poderiam ser repassados para beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família e o Seguro Desemprego.
O Ipea também indica algumas medidas de médio e longo prazo para reconfigurar o modelo de financiamento do transporte público coletivo urbano no pós-crise e fornecer mais sustentabilidade ao setor, tanto do ponto de vista ambiental quanto econômico.
“Uma delas, que é a mais impopular, mas seria a mais interessante, é a implementação de sistema de cobrança do uso das ruas por automóveis privados em regiões congestionadas. É a maneira mais eficiente do ponto de vista econômico e ambiental, além de ser socialmente mais justo taxar os automóveis, que geram mais acidentes e mais poluição. Desincentivaria o uso dos automóveis nessas áreas congestionadas e os recursos arrecadados seriam para financiar o transporte público”, diz o pesquisador do Ipea, Rafael Pereira, um dos autores da publicação.
Outras medidas seriam o sistema de cobrança de estacionamento em áreas públicas centrais e a destinação de parcela da arrecadação dos tributos incidentes sobre a produção, comercialização e propriedade dos veículos individuais ao financiamento do transporte público urbano.
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