O caso em torno do parecer do Conselho Nacional de Educação, e os  elementos racistas no livro “A Caça de Pedrinho” de Monteiro Lobato (que é feito a partir de um processo de desumanização do personagem Tia Anastácia e usando linguagem a qual foi considerada humilhante,cheia de preconceitos) trouxe a tona alguns elementos,  assim como  exarcebou o conflito entre concepções de literatura,  educação, combate ao preconceito.

Lobato era mais que racista, era um EUGENISTA. Declarou em carta a um amigo que usaria a Literatura para disseminar os princípios da Eugenia e estimular a sua prática. E seguiu para os Estados Unidos com a proposta de escrever sobre o tema, para ganhar grana alta – era ambicioso. Só que se deu mal. Ninguém lá se interessou pela proposta dele, que voltou para o Brasil com o rabo entre as pernas. O que significa isto? Que se tornou um prostituto da Literatura.

A Eugenia prega a purificação da raça branca através do acasalamento entre pessoas ‘saudáveis’, isto é, obviamente, as pessoas brancas, além da esterilização, segregação e subsequente extinção das pessoas negras. Em 1918 foi fundada a Sociedade Eugênica de São Paulo (Sesp), a primeira da América Latina, sob inspiração do psiquiatra Renato Kehl, um dos principais expoentes da Eugenia no Brasil, com cerca de 140 associados, entre os quais estavam o fundador da Faculdade de Medicina de São Paulo, Arnaldo Vieira de Carvalho, o sanitarista Arthur Neiva, o psiquiatra Franco da Rocha, o educador Fernando de Azevedo e o escritor Monteiro Lobato, que, numa carta à Renato Kehl, declarou o seguinte:

 

“Renato, tu és o pai da eugenia no Brasil e a ti devia eu dedicar meu Choque, grito de guerra pró-eugenia. Vejo que errei não te pondo lá no frontispício, mas perdoai a este estropeado amigo. (…) Precisamos lançar, vulgarizar estas ideias. A humanidade precisa de uma coisa só: poda. É como a vinha.

 Lobato.” in História Viva , edição 49 – Novembro 2007 Eugenia, a biologia como farsa, por Pietra Diwan.

 

Já um trecho revelador da “Barca de Gleyre” descortina esse aspecto que muitos gostariam de ver embaixo do tapete:

 

(…)Dizem que a mestiçagem liquefaz essa cristalização racial que é o caráter e dá uns produtos instáveis. Isso no moral – e no físico, que feiúra! Num desfile, à tarde, pela horrível Rua Marechal Floriano, da gente que volta para os subúrbios, que perpassam todas as degenerescências, todas as formas e má-formas humanas – todas, menos a normal. Os negros da África, caçados a tiro e trazidos à força para a escravidão, vingaram-se do português de maneira mais terrível – amulatando-o e liquefazendo-o, dando aquela coisa residual que vem dos subúrbios pela manhã e reflui para os subúrbios à tarde. E vão apinhados como sardinhas e há um desastre por dia, metade não tem braço ou não tem perna, ou falta-lhes um dedo, ou mostram uma terrível cicatriz na cara. “Que foi ?” “Desastre na Central.” Como consertar essa gente? Como sermos gente, no concerto dos povos? Que problema terríveis o pobre negro da África nos criou aqui, na sua inconsciente vingança!… (in A barca de Gleyre. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1944. p.133).

 

Há alguns que dizem que por ser a Eugenia uma espécie de modus operandi político-científico predominante na época, era, portanto natural essa inclinação dos intelectuais daquele tempo para tal prática criminosa, pois o princípio da Eugenia é a purificação da raça humana pela eliminação das etnias destoantes e dos seres humanos considerados “anormais” por problemas mentais e físicos. Mas considerar que todos os intelectuais da época a avalizavam é um absurdo, pois, exemplificando, os Filósofos Humanistas anteriores a Lobato jamais apoiaram tal prática desumana.

O crime de Lobato – apoiar a Eugenia e contribuir para a sua expansão – é injustificável e, portanto, passível de reparo no que concerne às suas consequências nas crianças de cor negra que hoje têm acesso à sua obra.

Monteiro Lobato, sempre que se referiu a negros e mulatos, foi com ódio, com desprezo, com a certeza absoluta da própria superioridade, fazendo uso do dom que lhe foi dado e pelo qual é admirado e defendido até hoje. Em uma das cartas que iam e vinham na barca de Gleyre (nem todas estão publicadas no livro, pois a seleção foi feita por Lobato, que as censurou, claro) com seu amigo Godofredo Rangel, Lobato confessou que sabia que a escrita “é um processo indireto de fazer eugenia, e os processos indiretos, no Brasil, ‘work’ muito mais eficientemente”. 

Estará ele certo? Até hoje, muitos dos que o leram não veem nada de errado em seu processo de chamar negro de burro aqui, de fedorento ali, de macaco acolá, de urubu mais além. Porque os processos indiretos, ou seja, sem ódio, fazendo-se passar por gente boa e amiga das crianças e do Brasil, “work” muito bem. 

Mas há os que perguntam: “Até que ponto o discurso do politicamente correto não mina as possibilidades de leitura do texto literário”? Uma criança quelê Lobatohoje se tornará racista e eugênica? Esse é o único viés de leitura de Lobato? Seu texto se resume a isso? Não seria o caro dessa suposta proteção às crianças só justificaria, ao cabo, a censura e outras práticas tão reducionistas e absurdas como a eugenia? Se tantas pessoas anos foram criadas lendo o autor e não se tornaram racistas ou usaram a obra para sustentar absurdos sobre preconceito.

A resposta, em parte, a isso é que dificilmente obras de literatura sem a contra partida de contextos familiares e institucionais (escolares) influenciam e moldam o caráter. Digo dificilmente por não querer ser taxativo em assunto tão amplo a ponto de poder haver já algum material científico publicado sem que eu saiba.

Como dizia Lacan, o significante é sempre enxame – nunca isolado, um só. Acho sempre profícua a discussão. Sinceramente, até iniciarem-se as falas sobre racismo e eugenia em relação a Monteiro Lobato e sua obra, isso jamais me passou pela cabeça. Passei minha infância lendo e adorando as histórias, sonhando com D. Benta e Tia Anastácia, querendo seus colos, seus bolos, sua atenção; viajando com Pedrinho, Narizinho, invejando ter uma bonequinha tão sábia quanto Emília, o Visconde, o Rabicó. Aprendi muito com eles sobre o que é viajar na imaginação, sobre como se pode gostar de matemática, de astronomia. Esperei ansiosamente todas as férias, e em cada árvore que subia, me imaginava ser o Pedrinho. Bons e felizes tempos.

Mas, o MEC não proibiu a leitura de Monteiro Lobato nas escolas, apenas determinou esclarecimentos pertinentes na própria obra sobre o racismo, em razão de Direitos Constitucionais das Crianças Negras porque hoje é intolerável tal prática, que deve, sim, ser combatida. sim.

Essas crianças têm esse direito, porque afrontá-lo? Para que existem a Constituição federal de1988, aLei contra o racismo e o Estatuto da Criança e do Adolescente? Elas significam evolução dos Direitos Humanos. O que ocorre é que estão deturpando a iniciativa do MEC para fins políticos, como se faz sempre por aqui – para atacar o governo federal. Primeiro se informem corretamente sobre as razões do MEC com esta iniciativa, e como ela está sendo aplicada, de forma a preservar o acesso à obra de Lobato. Razões mais que justificadas.

Procurem saber, para depois fazer a crítica sem extrapolar o fato, sem ferir a Verdade Factual. Estão usando uma iniciativa legal e mais que justificada do MEC, para atingir o Governo Federal.  Não há o que criticar em relação a esta ação do MEC.

Por trás dessa ação existe uma lei de proteção à criança e ao adolescente, uma lei contra o racismo e constituição federal obrigando-a. Essas leis obrigam o MEC a isto.

Além disso, tal procedimento já foi realizado em outros países do mundo em relação a determinadas obras de autores estrangeiros pelos mesmos motivos – proteção aos Direitos Humanos de determinados leitores (bom se ter um conhecimento básico de Direito). Portanto, é um atraso de mentalidade e de conhecimento jurídico atacar o MEC em razão dessa iniciativa. Não é hipocrisia, não é perseguição a Monteiro Lobato, nem injustiça ao escritor.

Quem é de cor branca, vivendo num país ra-cis-ta como o nosso (embora todos neguem ser racista), jamais poderia ser afetado por essas leituras de lobato, mas para quem é negro… É muito fácil defender o racista e eugenista que Lobato foi, porque ele contou historinhas que coloriram a vida das crianças brancas desse país.

Difícil é se colocar no lugar das crianças negras que eram insultadas nas escolas pelos adjetivos que o escritor utilizou em sua obra para se referir aos negros. Mas isso é visão de educador consciente e experiente e sensível.

O que ocorria naquela época é o bullying de hoje. No mais, o que tenho ouvido e lido são argumentos de defesa do escritor de quem convenientemente se posta do lado mais forte – o adulto importante e escritor consagrado, que teve nas mãos o poder de combater o racismo, e preferiu estimulá-lo, e mais, adotar como meta literária a propagação da eugenia – que é a expressão cruel do racismo em seu estágio mais aterrorizante (ele fez isto – é verdade factual).

Infelizmente, essa informação sobre Lobato é verdadeira. Sabida e registrada por ele próprio em documentos inquestionáveis. E foi por isso, por ser um eugenista, que ele tratou dessa forma marginalizante os negros, ao invés de, como escritor infantil, atuar de forma humana com as crianças negras, protegendo-as, ajudando-as a transpor o preconceito social – ele fez o contrário – penalizou-as.

E tinha consciência do que fazia. Isso sim, é que se deve considerar. Veja o que fala Monteiro Lobato a Arthur Neiva, em carta enviada de Nova Iorque durante o tumultuado ano de 1928, criticando o Brasil: ”País de mestiços onde o branco não tem força para organizar uma Kux-Klan é país perdido para altos destinos. (…) Um dia se fará justiça ao Kux-Klan; tivéssemos aí uma defesa dessa ordem, que mantém o negro no seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca – mulatinho fazendo o jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destroem (sic) a capacidade construtiva.”

Se naqueles tempos não havia leis que protegessem esses seres humanos indefesos da sanha racista que imperava no país, hoje há leis que as protegem, e a obrigação do estado de segui-las à risca. cumpri-las. simples assim. Além disso, o racismo, enquanto uma ideologia que tem peso de massas (ora em repouso na cabeça de milhões, ora posta em movimento), não se restringe à eleição de governos ultraconservadores ou a mudanças no ordenamento jurídico.

Tal debate não pode ser desprezado, pois nunca é demais lembrar que vivemos em um país extremamente racista, que convive com o chamado “mito da igualdade racial”. Essa expressão se refere à falsa ideia, incutida pela burguesia racista de nosso país na consciência de milhões de brasileiros, de que vivemos em um país de todos, onde não há racismo.

Foi devido a isso que o governo, por exemplo, também retirou a palavra “escravidão” do Estatuto da Igualdade Racial, assim como suprimiu a categoria de raça, historicamente utilizada pelo movimento negro como categoria social, sem o intuito de fazer distinções genéticas.

O Brasil tem mais de 14 milhões de analfabetos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009). Como se não bastasse, mais de 30 milhões são considerados “analfabetos funcionais”, ou seja, pessoas que não compreendem o que leem. A marginalidade da população negra devido ao racismo aparece com força. Enquanto 59,4% da população negra, acima de sete anos, é analfabeta. E muitos filhos dos trabalhadores estão fora da escola.

Os racistas de carteirinha, os enrustidos em seus discurso de nostalgia,  na universidade brasileira ou nas ruas,adorariam simplesmente perdoar historicamente Monteiro Lobato, usando-o como exemplo embasador para futuros embates  ideológicos. Por isso ele tem que ser rechaçado.  Acho que devemos fazer campanha mesmo para que ele não seja mais adotado. Pronto, não será censura; ele estará disponível, mas o deixaremos lá.

 

Maximiano Laureano da Silva
Professor de Inglês-Literaturas