Com o aumento da violência nas favelas do Rio, moradores e lideranças estão se unindo para chamar a atenção das autoridades e pedir paz. Diversos atos pedindo o fim dos confrontos armados e operações policiais estão programados só nesta semana. É o caso de ações realizadas por moradores do Complexo do Alemão, Maré, Manguinhos, Jacarezinho.
Mortes e tiroteios têm aterrorizado as favelas do Complexo de Manguinhos. Moradores se mobilizaram junto à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e promovem até o fim de maio dez atos e audiências públicas para discutir os conflitos quase diários que têm ocorrido na região. O primeiro encontro acontece nesta terça-feira, 25, com oficina de cartazes, panfletagem e passeata a partir das 8h30.
No último ano, uma comissão de moradores e lideranças foi formada para desenvolver um agenda cultural de luta contra a violência local, que se intensificou com o declínio dos investimentos no projeto das Unidades de Polícia Pacificadoras. Mais de 30 coletivos, movimentos sociais, profissionais de educação, lideranças religiosas e comunitárias do Complexo de Manguinhos, Maré, Rocinha e Cerro-Corá também assinam carta aberta contra a violência armada na região.
Um dos objetivos é levar as reivindicações ao secretário de estado de segurança pública Roberto Sá, que já se comprometeu a agendar uma plenária com a comissão até o mês de maio. “Os incidentes dos últimos meses vitimaram muitos moradores e alguns agentes de segurança pública. Parte deles veio a óbito, e isso preocupa a todos nas favelas daqui”, explica o professor, membro da comissão contra a violência e do conselho comunitário local e morador da Vila Turismo Leo Bueno.
A tensão permanente em Manguinhos já se reflete, inclusive, em problemas de saúde de mental para quem precisa viver e trabalhar ali. A insegurança tem afetado, inclusive, o funcionamento da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Para melhor avaliar a situação, a direção decidiu suspender as aulas até a próxima terça, o dia do ato. Cerca de 600 alunos, entre estudantes do Ensino Médio, da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e trabalhadores do SUS, estão sendo prejudicados.
– Muitos aqui estão ficando doentes. Alguns relatam depressão, pressão alta, crises nervosas, fobias e estresse. Também chegam alguns relatos de profissionais de escolas no território e da própria Fiocruz que se dizem adoecidos e incapazes de trabalhar. Vemos que, infelizmente, as favelas hoje continuam a ser marcadas por um estado permanente de medo, com uso intenso de armas de fogo e muitas violações de direitos, conta Leo.
Leia na íntegra a carta aberta contra a violência assinada por moradores de cinco favelas do Rio
Audiência pública na Defensoria discute situação do Alemão
A difícil rotina dos quase 70 mil habitantes do Complexo do Alemão motiva a realização da Audiência Pública sobre Abusos policiais no Alemão, organizada pelos coletivos Educap – Espaço Democrático De União, Convivência, Aprendizagem E Prevenção, Favela Art, Juntos Pelo Complexo do Alemão e Instituto Raízes em Movimento. Dados extraoficiais afirmam que, só na última semana, seis pessoas foram mortas durante operações policiais na região. Tiroteios quase diários já são parte do dia a dia, principalmente desde o início de 2017.
“O objetivo principal é a redução de danos causados pela guerra insistente. Reivindicamos apenas o nosso direito de ir e vir”, afirma uma das lideranças do movimento, que prefere não se identificar por motivos de segurança. Além do fim das operações em horário escolar, os moradores também querem a desocupação de casas da favela que teriam sido invadidas e transformadas em bases da Polícia Militar. “Estamos no meio de uma guerra sem campo de refugiados. Não temos opções para nos libertar dessa escravidão que é o medo de sair de casa. Até em casa estamos morrendo”, finaliza. No fim da semana, um militar foi baleado dentro de casa e dois moradores foram mortos quando chegavam ao trabalho durante operações policiais.
A audiência pública sobre abusos policiais no Alemão acontece nesta segunda-feira, 24, na sede da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a partir das 14h. No mesmo dia, o Fórum Basta de Violência – Outra Maré é Possível realiza uma marcha pela paz no Complexo da Maré. A concentração é às 13h, na praça do Parque União.