É com grande pesar e tristeza que a Agência de Notícias das Favelas informa o falecimento do poeta e escritor William da Silva Lima, o professor, com setenta e seis anos de idade. Nascido em Recife em 1942, faleceu no Rio de Janeiro na madrugada de ontem, dia 31 de julho, de infarto e o enterro foi hoje. A família preferiu que o velório e o enterro não fosse divulgada anteriormente, pois queria paz e tranquilidade para velar o corpo. Ele foi casado por mais de trinta anos com Simone Barros Correa de Menezes, que o conheceu ainda quando era detento na Ilha Grande. William deixa a esposa, quatro filhos e muitas histórias. A principal delas, foi relatada em seu livro 400 X 1 – Uma história do Comando Vermelho, relançado pela ANF Produções. Nessa obra, o autor conta como foi o surgimento do Comando Vermelho e conta com poemas entre um capítulo e outro, que ele escrevia quando estava no cárcere. O livro também virou filme pela Globo Filmes.
Nos últimos anos, William teve como advogados André Barros, que conseguiu com que ele ficasse em casa em regime aberto com sua família, monitorado com uma tornozeleira eletrônica e também Mário Miranda Neto, que acompanhou seu processo para mantê-lo em liberdade, uma vez que sua idade já era avançada e sua saúde não era boa.
William sentiu na pele todos os efeitos – físicos e psicológicos – que um sistema cruel, que não ressocializa, pode provocar no ser humano. Ao longo do tempo, foi um atento observador das condições das instituições prisionais, desenvolvendo um senso crítico especial: “Nenhuma prisão presta, tendo ou não conforto, mas as que são denominadas de segurança máxima são depósitos de carne humana que precisam urgentemente ser transformadas em unidades que ofereçam uma perspicácia de reintegração social ao preso. Os Sem-terras, os Sem-teto, os sem nada, os excluídos do processo produtivo da sociedade; muitos deles povoam os efervecentes campos de concentração denominados prisões” (página 178 – 400 X 1 – Uma história do Comando Vermelho).
Tive a honra de escrever o posfácio do livro que coloco abaixo:
Conheci William através de sua esposa, Simone, quando ele estava preso em Bangu 3, em meados de 2000. Simone, por sua vez, conheci por ter me envolvido na luta a favor dos direitos dos familiares de presos. No Santa Marta, moradores me relatavam como eram tratados durante as visitas. Naquela época, comecei a articular uma associação que pudesse garantir tratamento digno para os que não haviam cometido crime algum, mas que, por terem familiares detidos, eram tratados como se fossem bandidos.
Essa articulação ganhou força e, em pouco tempo, fiquei sabendo de pessoas que estavam nesta luta havia muito tempo. Simone era uma destas pessoas. Era uma mulher forte, que conhecia tudo e todos no sistema penitenciário. Ajudei-a a criar a Associação de Familiares e Amigos de Presos (AFAP). Passamos a compor o Conselho da Comunidade, órgão fiscalizador do sistema penitenciário. Após esse período, perdemos o contato por alguns anos e retomamos no ano de 2007.
Com o trabalho do advogado André Barros, William, já com quase setenta anos (mais de trinta deles preso), pôde morar com a família, monitorado por uma tornozeleira eletrônica. Simone trabalha faz muitos anos com um amigo deputado. Tenho acompanhado por quase duas décadas a história deles e atesto o quanto tem sido importante o apoio familiar na vida de William, o professor.
Esse livro é ainda mais interessante que o original, pois traz conteúdos extras. Em cada capítulo há uma poesia escrita por William em momentos de privação de liberdade, incluindo quando esteve na surda (solitária). Isso demonstra uma sensibilidade rara, pois não deve ser fácil expressar criatividade em momentos de tanta angústia.
Esse livro chega na vida do autor, que está com mais de setenta anos, como uma redenção, como um presente de quem conseguiu passar por tudo que passou, estando de pé, contando história, e o mais importante: reintegrado à sociedade.
(Fundador e Diretor da Agência de Notícias das Favelas e da ANF Produções)