Há muito tempo, defensores de causas sociais são perseguidos, criminalizados, processados e mortos. Há muito mais tempo isso acontece com a classe mais pobre, que sempre foi, e é, criminalizada e chacinada, por ser pobre. E quando digo muito tempo, é há muito tempo mesmo.

A Operação Firewall, investigação da Polícia Civil que resultou em processo de 23 ativistas no Rio de Janeiro, é um grande exemplo do quão sujo o Estado e seus aliados podem jogar com quem vai contra suas redes de mortais injustiças. Mas esse caso não é novidade, pois o processo de criminalização de ativistas e movimentos sociais se encaixa de forma perfeita no contexto político, não apenas no momento atual, mas em um embate que já dura anos e que tem como claro objetivo a tentativa de deslegitimar as lutas sociais.

Em todos os lugares do Brasil, pessoas são perseguidas por questionar e confrontar o que nos é apresentado como modelo político. Esses questionamentos não são poucos e tratam, principalmente, da crueldade do sistema prisional, da formação de grupos de extermínio e milícias com o aval do Estado por agentes de segurança pública, a omissão do Estado diante do extermínio de tribos indígenas e camponeses, a negação das ações de represália de latifundiários, a criminalização da pobreza, entre outros.

O caso dos 23 ativistas processados se tornou notório porque a mídia corporativa quis acabar com o movimento formado no Rio de Janeiro – que, apesar de recente, é muito combativo na luta para que o povo se levante contra a política de benefício dos interesses do poder econômico. Infelizmente, esse não é o único caso. O número de presos políticos vai muito além de 23, e ainda há os mortos e os desaparecimentos forçados (ou, como prefiro chamar, os desaparecidos políticos da democracia).

 

Não há como falar em mortos e desaparecidos políticos da democracia sem lembrar de algumas execuções, e chacinas feitas e acobertadas pelo Estado:

– Manoel Mattos, assassinado em janeiro de 2009.

Manoel era defensor de Direitos Humanos. Advogado e lutava contra grupos de extermínio na divisa entre os estados de Pernambuco e Paraíba.

– Izabel Borges, acusada pela polícia do Estado do Espírito Santo de chefiar uma organização criminosa que agiria no sistema prisional do Estado em Agosto de 2006.

Izabel era Coordenadora da Pastoral Carcerária do Espírito Santo e as denúncias contra ela se tornaram públicas através do noticiário da região e do Jornal Nacional da Rede Globo.

– Oito mortos na Chacina da Candelária, julho de 1993.

Na noite de 23 de Julho de 1993, oito jovens sem-teto foram assassinados por policiais militares.

– 28 mortos na Chacina da Baixada, março de 2005.

Em 31 de Março de 2005, 28 pessoas foram mortas aleatoriamente pelas ruas de diversos municípios da Baixada Fluminense por um grupo de policiais militares.

– 21 mortos na Chacina de Vigário Geral, agosto de 1993.

Na madrugada de 29 de Agosto de 1993, 21 moradores da favela de Vigário Geral foram executados dentro de suas casas por 50 homens, todos integrantes de um grupo de extermínio formado por policiais militares.

– 11 mortos na Chacina de Acari, julho de 1990.

Em 26 de Julho de 1990, 11 pessoas, em sua maioria, negros e moradores da Favela de Acari, foram sequestrados pelo grupo de extermínio Cavalos Voadores, formado por policiais militares. O coronel reformado e ex-deputado estadual Emir Larangeira é acusado pelo Ministério Público de ser o chefe do bando. Os corpos dos jovens até hoje não foram encontrados.

 

Essas pessoas são mortas e desaparecidas em nome da política de limpeza social. Os responsáveis pelas mortes, geralmente, são agentes do estado, que depois se tornam parlamentares – é o caso de Emir Larangeira, que também teria planejado a morte de Edmeia, uma das mães dos desaparecidos de Acari, em seu gabinete na Alerj. Na época, Edmeia estava empenhada na luta contra os executores de seus filhos.

Esses e outros inúmeros casos mostram a evidente omissão do estado brasileiro diante de tais acontecimentos. O Estado tem suas mãos enfiadas nesses crimes. Qualquer pessoa que se levante para lutar contra este Estado falsamente democrático passará a viver em situação excruciante de ameaças, criminalização, perseguições, agressões, tendo até familiares atingidos.

Devemos explanar todos os casos para que todos se tornem notórios. No papel da criminalização não há exclusividade. Presos políticos no campo e na cidade, na favela e no asfalto: liberdade a todos, pois os números vão muito além dos 23.