Mulheres estão mais vulneráveis à violência doméstica durante a pandemia

Em Sergipe, entre janeiro e julho deste ano, 10 mulheres foram vítimas de feminicídio- Crédito: Paulo Pinto/ AGPT

Estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher na Lei Maria da Penha: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial − Capítulo II, art. 7º, incisos I, II, III, IV e V.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) realizou pesquisas relacionadas à violência doméstica durante a vigência das medidas de isolamento social em alguns estados brasileiros. Ao todo, foram emitidas três notas técnicas que apontam não só o aumento da vulnerabilidade das mulheres em situação de violência doméstica, na medida em que elas foram obrigadas a permanecer em casa com seus agressores, como também o aumento de barreiras no acesso às redes de proteção e aos canais de denúncia.

Os levantamentos periódicos elaborados pelo FBSP mostram, em todos os meses, um aumento nos índices de feminicídio e/ou homicídio em diversos estados. De forma análoga, os dados também indicam uma redução na distribuição e na concessão de medidas protetivas de urgência, instrumento fundamental para a proteção da mulher em situação de violência doméstica.

O ciclo da violência doméstica

A delegada Ana Carolina Machado Jorge, do Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), explica que o ciclo da violência doméstica é composto por três fases: a tensão (quando os nervos estão à flor da pele); a agressão (pode ser física, verbal, ameaça, dano ao patrimônio da mulher ou até mesmo obrigá-la a ter uma relação sexual); e a lua de mel (quando o homem promete não ter comportamentos agressivos e que vai mudar). “Essa aparente lua de mel tem prazo de validade, porque esse ciclo da violência passa a ocorrer em períodos mais curtos e com a violência muito mais intensa. É onde reside o perigo, pois é nesse momento que as mulheres estão mais propensas a serem vítimas de um femínicidio”, enfatiza a delegada.

De acordo com dados da Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe, de janeiro até julho de 2020, dez mulheres foram assassinadas no estado, vítimas de violência doméstica nos municípios de Nossa Senhora do Socorro, São Cristóvão, Itabaiana, Porto da Folha, Simão Dias, Graccho Cardoso, Brejo Grande, Frei Paulo, Feira Nova e Pirambu.

A sergipana Maria Dantas, 36, tem um relacionamento de oito anos com o esposo e revela que, somente neste ano, foi ao hospital duas vezes devido às agressões físicas cometidas pelo companheiro. “Ele teve esse comportamento agressivo com todas as mulheres que se relacionou. Eu pensei que comigo ele ia mudar, mas não. Eu digo todo dia que vou embora e não vou. Não sei o motivo, queria saber. Vai chegar o ponto de acabar, espero que Deus, primeiramente, toque no coração dele pra que ele não faça um mal em mim. Porque só faz medo isso”, relata.

Para a assistente social da Coordenadoria da Mulher do Tribunal de Justiça de Sergipe, Shirley Amanda Leite, as mulheres vivem em uma sociedade machista e misógina, na qual o homem tem privilégios e a mulher sofre as consequências dessa desigualdade de direitos de gênero. Além disso, o âmbito familiar é um dos primeiros espaços em que a violência doméstica se concretiza. “São necessárias ações de prevenção e desconstrução desses conceitos enraizados desde os primórdios da humanidade. Com o advento da Lei Maria da Penha, os órgãos especializados no enfrentamento à violência doméstica têm implementado ações e campanhas que acabam influenciando efetivamente no aumento das denúncias e responsabilização dos autores de violência doméstica”, afirma.

Uma pesquisa feita pelo Monitor da Violência, aponta que no primeiro semestre de 2020 foram registrados 21 homicídios dolosos com feminicídio, contra 23 no mesmo período do ano passado. Os números revelam uma diminuição nos registros de crimes de violência contra a mulher no primeiro semestre de 2020 em Sergipe. O Femínicidio é a morte de pessoas do sexo feminino, decorrente de uma conduta criminosa que pode caracterizar um homicídio culposo (simples ou qualificado) ou doloso (simples, privilegiado ou qualificado). O estudo é uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

Além disso, o levantamento traz ainda dados sobre lesão corporal dolosa em decorrência de violência doméstica: 704 casos no primeiro semestre do ano passado contra 497 no mesmo período de 2020. Sergipe teve a segunda maior queda (-29%) da pesquisa. Os casos de estupro também caíram: 75 no primeiro semestre de 2019 contra 62 este ano, representando uma queda de 17%. O número de estupro de vulnerável consumado passou de 267 para 143 no território sergipano.

Serviços

Apesar de ser difícil para a mulher que está sofrendo violência doméstica a realização da denúncia, ela é o primeiro passo para quebrar o ciclo da violência. O Ligue 180 é a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, atualmente oferecida pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O objetivo é receber denúncias de violência contra a mulher nos âmbitos nacional e internacional. Se você é vítima ou conhece alguém que convive diariamente com a violência doméstica, denuncie.

Reconhecendo a existência de subnotificação de casos de violência contra a mulher em Sergipe no período da pandemia do novo coronavírus, o Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV) lançou uma campanha para alertar e orientar a população quanto à importância de denunciar a violência doméstica.

A iniciativa é um vídeo, sem áudio, publicado no Youtube, em que mulheres e profissionais da segurança pública trazem cartazes com os números 190 (Polícia Militar), 181 (Disque-Denúncia), 180 (Central de Atendimento à Mulher), 3205-9400 (Delegacia Especializada, em Aracaju) e outras informações.

Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative.