A participação de negros aumentou nas eleições 2020 em relação ao último pleito municipal, em 2016, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No entanto, a desigualdade ainda é grande. Neste ano, apenas 20 mulheres negras estão disputando prefeituras das 26 capitais brasileiras, o que representa 6,3% do total de candidatos (317), a maioria delas filiada a partidos de esquerda. Comparado com o número de candidaturas de negros (107), elas representam somente 18,6%.
O Rio de Janeiro é a capital com a maior quantidade de mulheres negras concorrendo à prefeitura, com as candidaturas das cariocas Benedita da Silva (PT) e Renata Souza (PSOL), e da maranhense Suêd Haidar (PMN). Duas delas, nascidas e criadas entre vielas e becos de favelas do município.
Benedita da Silva, carinhosamente chamada de Bené, nasceu na extinta favela da Praia do Pinto e viveu 57 anos no Morro Chapéu Mangueira, Zona Sul do Rio. Renata Souza morou a vida toda no Complexo da Maré, Zona Norte, saindo de lá em 2019, quando assumiu o cargo de deputada estadual.
Ambas sempre conviveram com o preconceito em dose tripla, por serem mulher, negra e favelada. “Na Assembleia Legislativa, muitas vezes os debates são agressivos porque sofro intimidações por alguns parlamentares que não reconhecem nosso direito de estar ali”, revela Renata. Com Benedita não é diferente. “A mulher preta sofre tanto com o racismo quanto com o machismo, inclusive em nosso próprio meio. A discriminação vai muito além da condição de moradia. O Brasil nunca terá paz enquanto prevalecer esse apartheid brutal”.
As injustiças e desigualdades raciais, socioeconômicas e de gênero levaram as duas a atuar em movimentos comunitários antes de entrarem para a política. “Percebi que o racismo e o machismo são armas usadas para reforçar a dominação das populações negras e principalmente das mulheres, afastando-as da luta por seus direitos”, diz a candidata do PT.
Benedita da Silva (PT)
Benedita da Silva é de uma família numerosa com 14 irmãos. Para sobreviver, vendeu limão na feira, lavou roupa para fora, foi empregada doméstica e operária fabril.
Seu ativismo começou nos anos 1960, lutando contra a remoção das favelas, política do então governador Carlos Lacerda. Ainda muito jovem alfabetizava os adultos da favela. Atuou no movimento comunitário e organizou o primeiro departamento feminino da associação de moradores da favela. Foi uma das fundadoras da Federação das Favelas do Rio de Janeiro (Faferj).
Aos 40 anos, concluiu o curso de Assistente Social e, em 1982, deu início à carreira política, sendo eleita a primeira vereadora negra do Rio, pelo PT. Também foi a primeira negra a ocupar os cargos de deputada federal na Assembleia Constituinte de 1988, senadora da República e governadora do Rio. Ela foi eleita em 1998, como vice-governadora, e assumiu o cargo entre abril de 2002 e janeiro de 2003. Também foi ministra da Secretaria Especial de Trabalho e Assistência Social, durante o primeiro governo do presidente Lula.
Em 2020, como deputada federal, obteve duas grandes conquistas: foi dela a iniciativa da lei de emergência cultural Aldir Blanc, e graças à consulta que realizou junto ao TSE, teve reconhecido o direto da divisão proporcional de recursos e tempo de propaganda entre negros e brancos no rádio e na TV.
Caso seja eleita prefeita, algumas de suas primeiras ações será executar o Programa Emergencial de emprego, educação e saúde para aplacar os efeitos imediatos da pandemia. “E, ao mesmo tempo, enfrentar a discriminação estrutural que trata os moradores das favelas e periferias como subcidadãos”.
Renata Souza (PSOL)
Renata Souza foi a primeira da família a ingressar na universidade. Cursou jornalismo e publicidade. Trabalhou em jornal comunitário na Maré. “Buscava a cobertura dos casos de violência praticados pelo Estado do ponto de vista da vítima, a maioria preta, pobre e favelada. Assim, fui me interessando cada vez mais pelos movimentos sociais e pela defesa do direito à vida”.
A morte do menino Renan da Costa Ribeiro, de 3 anos, baleado em um tiroteio na Maré, em 2006, fez Renata querer entrar definitivamente para a política. “Era uma criança muito próxima da minha família. Essa tragédia foi crucial para que a pauta da segurança pública se tornasse uma das minhas prioridades”, revela.
Naquele ano, começou a trabalhar com Marcelo Freixo. Uma década depois, coordenou a campanha de Marielle Franco para vereadora, sua amiga de pré-vestibular comunitário e companheira de luta pelos direitos humanos. Foi chefe de gabinete de Marielle até ela ser morta em 2018. “Classifico o seu assassinato de feminicídio”, diz. Depois de perder a amiga, decidiu se candidatar a deputada estadual. “Angela Davis diz que quando uma mulher preta se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta junto com ela. Então, é preciso dar o primeiro passo, com todas as dificuldades e barreiras que temos pelo caminho”. Agora, aos 38 anos, Renata almeja chegar à prefeitura do Rio.
Se eleita, afirma que uma de suas prioridades será o programa Renda Básica Carioca, que vai garantir meio salário mínimo para as 200mil famílias mais pobres do município. “Não é caridade, é política de desenvolvimento para combater a extrema pobreza. De cada um real gasto por quem recebe o auxílio, metade volta para os cofres públicos em tribu tos, ou seja , a renda básica movimenta a economia e ajuda a superar desigualdades”, explica.
Matéria originalmente publicada no jornal A Voz da Favela de novembro.