Créditos – Rafael Cunha

Depois de ter sido o estopim de junho de 2013 no Rio, indígenas voltam à cena política em ano de ataques frontais aos direitos.
Os deputados estaduais do PSL do Rio de Janeiro Rodrigo Amorim e Alexandre kinoploch, ao invadirem Aldeia Maracanã no dia 22 de Março remeteu-nos à data da remoção da Aldeia no Museu do Índio em 2013, que foi igualmente numa sexta-feira, 22 de Março.

Dois incidentes judiciais antecederam as respectivas datas. Primeiro a derrubada das liminares que mantinham os indígenas sob o prédio do antigo Museu do Índio em 2013 e a decisão da 8ª Vara federal em remover a ocupação indígena, em primeira instância. No segundo momento, em 2019, em sentido contrário, e após recurso do advogado Arão da Providência Araújo esperou seis anos para obter resultado, e em 2ª instância, vem um deferimento a favor da Aldeia Maracanã. Trata-se do julgamento do dia 19 de Março de 2019 pela 5ª turma do TRF2. Qual decisão suspende a imissão de posse mantendo administração local sob o controle dos indígenas enquanto intima a Funai e a Defensoria Pública da União para pronunciarem-se sobre.

A decisão diz textualmente que “deve-se manter a situação atual sem qualquer alteração do estado de fato observado no local”. Ou seja, não pode mexer na área. Muito menos invadir, prevaricar, ofender, difamar, ameaçar, descriminar, injúria racial, entre outras atrocidades cometidas pelos dois deputados.

O advogado André di  Paula mais didaticamente esclarece:

” o território pertence ao estado, mas como envolve os índios em litígio e como o espaço já foi Federal [foi vendido em 2012 para o estado pela Conab no meio do processo de licitação para o consórcio da Odebrecht para demolição do Museu do índio e para as Olimpíadas] então a competência é da área Federal.

Os preceitos constitucionais são claros, legislar sobre populações indígenas é assunto de competência exclusiva da União (art. 22. XIV)
processar e julgar a disputa sobre direitos indígenas é competência dos juízes federais (art. 109. XI).

Por se tratar de questão indígena já se remete à União. Em se falando em litígio, à justiça federal. Agora sob judice, com ocupação permanente e sob decisão favorável mesmo que temporariamente aí é que não se pode entrar nem mexer mesmo.

O argumento dos intrusos legisladores de ser uma “prerrogativa parlamentar” o direito de fiscalizar qualquer repartição ou dependência do que seja de propriedade do Estado do Rio de Janeiro, não vale por se tratar sobretudo de um litígio sobre posse e envolver indígenas.

Ainda, o TRF2 determina que “providenciará a intimação da FUNAI e da Defensoria Pública da União para manifestarem seu interesse no feito”, agregando atores que fortalecem respaldo à causa.

A afronta das violações do dia 22 de março tipificou vários crimes, na opinião do advogado sr. Arão da Providência Araújo:

– “Invasão de domicílio, abuso de autoridade, constrangimento ilegal e crime de ódio também. Mas como servidor público tem o poder e a obrigação de promover os valores relacionados à supremacia da dignidade humana e aí a prevaricação é outro crime grave. Ali os indígenas são residentes, a invasão de domicílio é flagrante. Mas os crimes de intolerância e ódio são os mais gritantes”, elencou o advogado indígena.

Arão anunciou também que fará o registro da ocorrência esta semana no MPF, na PF, na ALERJ e na delegacia que apura os crimes de ódio.

Ou seja, enquanto o primeiro 22 de março tratou-se de uma execução judicial, em 2019 contrastou o oposto: uma transgressão extrajudicial. Atribuições típicas de criminosos. Mas não, levadas a cabo por legisladores portando um colete da assembléia legislativa do Rio de janeiro no peito. E ainda escoltados por policiais. Algum tipo de deformidade institucional pode estar acometendo. O que será ?

Os vídeos divulgados na internet e filmados pelos próprios indígenas e ocupantes da Aldeia Maracanã mostram os deputados em postura policial, mandando o advogado Arão Da Providência baixar o tom da voz em dedo ríspido frente à cara deste advogado Guajajara. Rodrigo Amorim aplica um estrangulamento num jovem apoiador da Aldeia e ele mesmo, isso, ele mesmo o deputado estadual dá voz de prisão ao jovem.

 

Mas o que aconteceu com a República Brasileira de 2013 para cá para permitir tal deformidade política desta feita? Uma engrenagem da judicialização da política à politização do judiciário, uma égide penal da arena política após 6 anos de Lava-jato à penalização da vida cotidiana praticamente.

Enquanto a agenda nacional de reformas neoliberais toma cunho aparentemente técnico e econômico, como a PEC nº 006 de 2019 , a Reforma da Previdência do Bolsonaro, a encarnação formal do Estado é punhada pelo grotesco político, ódio classista e étnico. Vem à cena o populismo policial. Se, antes das eleições, na coxia, os fanfarrões ultradireitistas aparentavam uma Commedia dell’Arte, ou melhor, Commedia dell’Armatta, a realização política dos afilhados dos Bolsonaro imprime tragicamente criminalização, letalidade policial e assassinato de lideranças de movimentos sociais.

Ameaçados apenas pela revelação crescente da relação destes políticos com grupos milicianos (como no caso Marielle Franco e na menções honrosas dada ao ex BOPE Adriano Magalhães e o major Ronaldo Alves , notórios milicianos e autores de chacinas como a da Via Show de 2003, presos na Operação Intocáveis da lava jato). A eles convém os métodos extra-judiciais alheios a norma democrática.

Bolsonaro quer introduzir um novo nacionalismo: o de ser o mais parecido com os Estados Unidos. Um nacionalismo amputado da cultura, e aí há coerência em atacar o culturalismo, mas é o Estado em forma total funcional, meritocrático e competitivo. Uma nação de soldados alistados ao mercado.

Bolsonaro, ano passado foi capaz de propagar está frase:“A cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema em seu país”.

Joênia Wapichana, primeira mulher indígena eleita como deputada federal, escreveu em protesto nos EUA em março durante a visita do presidente Bolsonaro lá: “Entre os muitos paralelos entre suas administrações, Bolsonaro e Trump estão tomando medidas extremas para tirar os direitos duramente conquistados pelos povos indígenas em benefício das indústrias extrativas e do agronegócio. Estas políticas apresentam ameaças às nossas comunidades, à integridade dos ecossistemas e à estabilidade do clima”.

Não é à toa que Bolsonaro decretou, no 1º de janeiro do seu governo,este ano de 2019, a MP 870 que, entre a reestruturação e atribuições dos órgãos da Presidência e Ministérios, transfere a competência da identificação, a delimitação e a demarcação de Terras Indígenas para o Ministério da Agricultura (MAPA), apunhalando pelas costas os direitos dos povos originários. Pior, tratava-se de promessa de campanha para o presidenciável que esbravejou em 2018: “no depender de mim não tem mais demarcação de terras indígenas e quilombolas”.

A MP 870, que entrou em regime de urgência desde 21/03 último para a abertura da Comissão Parlamentar Mista do Congresso para avalia-la até o dia 04 de abril próximo, já recebeu 541 propostas de Emendas segundo o site do congresso nacional, uma parte considerável propondo a reparação do texto criminoso no quesito demarcações de Terras Indígenas.

Por exemplo, a Emenda 305 de 8/02/2019 do deputado federal Alessandro Molon, PSB/RJ, que resguarda competência ao Ministério da Justiça e à FUNAI que é órgão subordinado. Arrolei dezenas de Emendas que versam do mesmo tema defesa dos direitos indígenas.

O dia 04 de janeiro de 2019, a prevaricação doa deputados do PSL na Aldeia Na Maracanã foi na esteira da MP 870/2019. Rodrigo Amorim e Alexandre Knoploch protagonizaram a primeira violação penal invadindo surpreendentemente a Aldeia. Destilaram seus crimes de ódio só que desta com apenas um carro, mas apelando para a mesma rotina de criminalização e difamação.

As repercussões atravessaram as fronteiras do Brasil. O ex-presidente Evo Morales chegou a postar de próprio cunho no Twitter repulsa à declaração do Amorim de que “quem gosta de índio, que vá para a Bolívia, que, além de ser comunista, ainda é presidida por um índio”.

O discurso de ódio ideológico forma uma cadeia de associações irracionais: de “cracudos”, “comunistas” e “lixo urbano” se amontoavam acusações ecléticas. Em réplica o Governo da Bolívia na mesma semana chegou a anunciar que denunciará o Estado Brasileiro por racismo de Estado na ONU. Por sua vez, o advogado que representa a causa da Aldeia, o nobre sr. Arão da Providência Araújo, registrou dois processos contra o deputado Amorim: um por danos morais e outro criminal.

O ano de 2019 iniciou, ainda, segundo MPF e CiMi (Conselho Indigenista Missionário), com 8 (oito) territórios indígenas sob forte ataques, tanto de morte aos nativos, quanto invasões. Loteamentos infelizmente são uma prática recorrente e muito ainda para roubo de madeira (19 metros cúbicos foram apreendidos pela Polícia Federal do Paraná no dia 16 de janeiro deste ano ). No caso de usurpação de bens naturais, o mais aviltante é com os Ianomâmis, onde 6 a 7 mil garimpeiros roubam minérios do Território Indígena, segundo o Instituto Sócio Ambiental (Isa, 23/02/2019).

Num paralelo ao Rio de Janeiro, observemos os Guarani da Ponta do Arado (RS), cujo ataque à mão armada e ameaças de morte no dia 14 de janeiro tem a ver com a eleição do deputado federal Nelson Barbudo,também do PSL, o deputado mais votado no estado gaúcho, que na campanha prometeu invadir e devolver o espaço a agropecuaristas, perdido em 2012 por decisão do STF. Lideranças indígenas têm apontado um co-autor de ódio étnico, o segundo deputado federal mais votado do estado, Jose Medeiros, do PODE. Vemos aqui uma preferência de método por parte dos deputados Estaduais do PSL nas ações de ódio racial: agem sempre em duplas.

Assim como aos dois jovens deputados estaduais do PSL do Rio de Janeiro, Rodrigo Amorim e Alexandre kinoploch. Eles buscam atenção e protagonismo a qualquer custo. Para tal correm atrás do nicho conservador regimentado nas eleições de 2018. Assim protegem os ainda escusos grupos empresariais que lhe dão base e ainda dão deferência à perspectiva racista da parte conservadora dos cariocas como a associação de moradores da Tijuca e grupos organizados em redes sociais dos arredores do Maracanã e Tijuca, como o Alerta Tijuca.

A reverberação do ódio tem sido uma tônica desde a campanha do presidenciável Bolsonaro, com consequências trágicas evidentemente correlacionadas, como o massacre em Suzano, SP, quando dois jovens que idolatravam Bolsonaro mataram 10 pessoas e 11 feridos em estado grave, espelhando-se no caso de Columbine (EUA) há 20 anos, quando dois jovens mataram 12 alunos e um professor com métodos semelhantes e belicamente mais sofisticados em uma escola do Colorado.

Sexta-feira, 22 de março de 2019.

Há exatos seis anos à remoção forçada em 2013, às 18hs e no mesmo momento em que 70 mil (segundo organizadores) cariocas e fluminenses ocupavam a Avenida Presidente Vargas ininterruptamente da Candelária à Central do Brasil, pela manifestação pelo Dia Nacional de Luta em Defesa da Previdência, os deputados estaduais Rodrigo Amorim (PSL) e Alexandre Knoploch (PSL) invadiram pela segunda vez este ano a Aldeia Maracanã, num ato “comemorativo” da invasão por Sérgio Cabral. Chegaram em três carros com escolta armada incluindo policiais militares e ainda trajando um colete da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

– “Nós estávamos lanchando, todo mundo em harmonia, na paz, quando veio um grupo que adentrou sem pedir licença nem nada, e invadiu a casa”, iniciou a descrição do ocorrido o indígena conhecido por Korubo, na Aldeia Maracanã há oito anos, vindo do Acre, da etnia de mesmo nome. “Eles vieram com três carros, rondando, tirando fotos lá fora”.

Créditos – Rafael Cunha

José Urutau Guajajara, um dos principais fundadores da ocupação da Aldeia, é mestre em Linguística e Língua Indígena pela UFRJ, originariamente integrante da tribo Tenetehara-Guajajara. Presenciou o ocorrido e conta que “uns guajajaras que estavam lá no portão gritaram lá da porta que estavam invadindo, mas eles não conheciam os deputados”. “Nós vimos caminhando em direção à eles e reconhecemos que eram os dois deputados, Alexandre Knoploch e Rodrigo Amorim. E parti para cima deles porque eu já os conhecia e eles não poderiam ficar aqui dentro e tinham nos ameaçado anteriormente. Qualquer conversa teria que ser fora da Aldeia Maracanã. E eles vieram com coletes a prova de balas, segurança policial e armados.”

Ana, de 62 anos, da etnia Xavante e a dois meses na aldeia, lamentou:” eles não tem pena da gente, não precisavam fazer isso. Quando começou a confusão as crianças todas choravam e criou um reboliço aqui. ”

O índio Korubo questionou os violadores: “vocês quem são?, aí eles ‘nós somos da ALERJ, sou o deputado mais votado pela população do Rio de Janeiro e e vocês não tem o direito de ficar nessa área nobre’ “, retrucou o deputado.

Neste momento iniciaram-se discussões verbais entre índios e os violadores. Os deputados insistiam em monólogo que o terreno era do Estado e que estavam ali para vistoriar por razões de saúde pública e segurança. Alegaram prerrogativa parlamentar. Ainda era de dia e os vídeos divulgados pela internet pela parte do dia provam que estavam dentro da Aldeia. E sob gritos de “racistas” foram expulsos da Aldeia.

Um jovem apoiador há 3 meses da Aldeia, estudante de guia de turismo e, na aldeia, de autogestão e língua tupi, de aproximadamente 22 anos relatou:

-“Eu havia saído para tirar xerox para as minhas aulas e quando eu voltei a confusão já tinha começado. José Guajajara os havia expulsado da Aldeia. Eu eu fui lá para fora para ver o que estava acontecendo e já comecei a filmar. Alexandre knoplock desferiu várias ofensas para o índio urubu desqualificando o que me irritou muito. E aí eu comecei a perguntar porque ele estava fazendo aquilo e exigindo respeito para com os indígenas. Foi quando ele disse que eu não era índio e eu não deveria estar ali. No que eu perguntei: você é a favor da segregação dos povos, você é nazista? No que ele me deu uma gravata e deu ordem de prisão”. Em seguida rapidamente com ajuda corporal dos outros indígenas ele foi solto.

 

Terça-feira, 26 de março: sessão planária ordinária na Alerj.

Nesta terça-feira, 26 de março, os indígenas da Aldeia Maracanã realizaram um ato na ALERJ, em plena Sessão Plenária Ordinária da casa legislativa. Afinal, era a primeira plenária após a violação do dia 22/03.

Às 14hs, alguns representantes da Aldeia Maracanã encontraram-se em frente do Palácio Tiradentes e apesar da resistência protocolar da quanto a indumentária formal, entraram empunhando uma faixa de 5mx2m bem de frente à mesa da sessão, com os dizeres “UNIVERSIDADE INDÍGENA”, o projeto norteador da Aldeia.

Apesar de dividir a sessão com a votação de alguns vetos da casa, como a derrubada do veto ao PL 1068/2015 que cria um Fundo Especial de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, a presença dos indígenas foi anunciada pelo presidente da casa, André Ceciliano (PT). Após arrolagem de 70 vetos aproximadamente pela Ordem do Dia, Waldeck Carneiro (PT) foi o primeiro “saudar os integrantes da comunidade Indígena Aldeia Maracanã” e denunciou “a truculência” dos dois deputados estaduais do PSL e a falta de respeito à comunidade.

O que se seguiu foi uma encenação fanfarrônica da dupla do PSL, como quem estivesse num programa televisivo, provavelmente policial. Knoploch verbalizou satiricamente:

-“Eles não me deixaram entrar, tentaram nos acuar através de flechas e feitiços, e quero dizer que macumba comigo não funciona. Nós vamos exercer o nosso mandato e fiscalizar. E na próxima vez que formos lá, iremos com a Defesa civil, com a fiscalização e também com a Polícia Militar.”

Flávio Serafinni (PSOL) amenizou o clima se solidarizando aos indígenas apontando o “cunho racista” das declarações do Amorim. Salientou o aspecto pluriétnico e da preservação das florestas pelos povos indígenas. Sua fala foi intercalada pela pronúncia do Sr. Marcelo do Seu Dino (PSL) que se incumbiu que homenagear “o Coronel Melo, do 15º Batalhão, (…) que conseguiu abater um dos líderes do Comando Vermelho…”

Sr. Zeidan Lula (PT) fez coro a Serafini (PSOL), em nome do Partido dos Trabalhadores, lembrando que “em Maricá temos duas aldeias indígenas que tratamos com respeito” e defendeu a ação judicial a favor da Aldeia Maracanã. Sr. Luiz Paulo (PSDB) também agregou apoio à Aldeia, denunciando o genocídio histórico aos “antigos donos do Brasil”, onde todo processo de conquista foi sobre o sangue dos povos originários e dos africanos escravizados. “As culturas indígenas fazem parte da nossa história, por isso devem ser respeitadas”, finalizou.

A terceira deputada estadual mais votada, Renata Souza (PSOL) salientou o papel que “esta Casa de Leis precisa resguardar os direitos indígenas” e a dificuldade de o meio urbano tem para entende-los. Indígenas são humanos e não lixos”.
Pela ordem, Alexandre Knoploch tomou a voz para reafirmar a narrativa do papel fiscalizador dos legisladores e defendeu o uso do colete da ALERJ no episódio da invasão da Aldeia dia 22/03.

Rodrigo Amorim (PSL) o sucedeu alardeando que “ali [na Aldeia Maracanã] a presença de imigrantes da América Latina que estão causando profunda desordem à Cidade. (…) Aquela é uma área onde está instalada hoje uma cracolândia, onde há consumo de drogas, onde há cometimento de crime, onde há um acinte à saúde pública, onde é necessária a imediata intervenção do Estado.

Pior, ele anunciou uma intervenção nesta semana:

ESTA SEMANA retornaremos àquela área e faremos ali uma intervenção com a Defesa Civil Estadual e COM AUXÍLIO  DAS FORÇAS POLICIAIS”.

Rodrigo Amorim (PSL) comparou ainda o edifício do antigo Museu do Índio ao Museu Nacional queimado em dezembro passado e responsabilizou a esquerda pelo acidente trágico: “Por conta de omissão, de incompetência e de aparelhamento cultural e partidário a UFRJ destruiu o Museu Nacional”.

Jorge Felippe Neto (PSD), tomou a voz para criminalizar o ambiente da Aldeia, associando o local à criminalidade e como fomentador de furtos e uso e drogas, revelando a aproximação com o bairro da Tijuca, onde Alexandre Knoploch e Amorim também são correligionários, e a pressão local de associação de moradores e grupos do facebook em criminalizar o território da Aldeia.

Finda a sessão plenária, em entrevista para este colaborador da ANF, a deputada Renata Souza (PSOL), contradisse os deputados do PSL: “os deputados estaduais assim como todo o legislativo, estão aqui na função de fiscalizar o Executivo, não pessoas. Estão incorrendo em desvio de função, abuso de poder”.

E ainda como colaborador da Agência de Notícias das Favelas, ao entrevistar Alexandre Knoploch, ele insistiu na posse do local ao Estado do Rio de Janeiro: “todo aquele espaço alí é do Estado. Existe uma decisão que eles perderam na 1ª instância, para o Estado ocupar aquilo alí, ou seja, fazer uma desapropriação de posse. Eles recorreram e está na 2ª instância”. E parou por aí. Ou seja, o deputado aparentou desconhecer o andamento do próprio processo, ou pecou por má fé. Informei-lhe da decisão do TRF2, 5ª Turma, do dia 19 de março último, quando ele mostrou desconhecimento e pediu para lhe mostrar um documento ou número do processo. Quando fui buscar o arquivo no celular, ele interrompeu: “Vejo que você não é de uma mídia parcial, idônea, você tem posição na questão. A gente para por aqui”. E elevou o tom com agressividade e saiu me empurrando.

Em nota, o movimento denominado Aldeia Resiste publicou:

“Nós fomos à casa dos Parlamentares que dizem prezar pelo Estado Democrático de Direito (ALERJ) denunciar que estamos sendo ameaçados por agentes que falam em nome daquela casa e fazem parte daquela casa. Deputados que inspiram ódio e violência em seus atos racistas contra indígenas. Deputados que discriminam não só indígenas, todos que estão em situação vulnerável, como pretos, pobres, favelados, pessoas em situação de rua, crianças, doentes mentais, etc. Assustaram e desrespeitaram idosos e crianças, inclusive um cadeirante ao adentrarem autoritaria e covardemente em nosso território. (…) Fomos cobrar uma ação das pessoas de bem daquela casa e por isso protocolamos uma ação de quebra de decoro parlamentar e esperamos que a Comissão de Ética da Alerj cumpra com o seu dever, assim como a Comissão de Direitos Humanos”.

O advogado Arão da Providência Araújo, representando os indígenas, disse para este colaborador da ANF que já ajuizou representação na ALERJ Ministério Público Federal e Polícia Federal, por “punição por crime de ódio, racismo, discriminação, turbação e descumprimento de decisão judicial do trf2 q impede o estado de perturbar a posse indígena.”

 A necessidade de avanço nas políticas para índios aldeados urbanos e não aldeados.

A atitude policialesca dos deputados do PSL preocupa muito, porque, além de não reconhecerem a decisão atual do TRF2 da Turma 5ª, simulam desconhecer a legislação brasileira e a mundial sobre os direitos indígenas. Para começar, a Convenção de nº 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), ratificada, inclusive pelo Brasil, está sendo infringida, porque os deputados do PSL, em sua deliberada “faxina” obstruem numa instância internacional, o direito dos povos indígenas de serem consultados (e não avisados, consultar implica em consentimento, em acordo mútuo) antes de serem tomadas decisões que podem afetar seus bens e direitos.

A Constituição Federal de 1988 inova justamente em superar a perspectiva assimilacionista contida no próprio Estatuto do Índio (Lei nº 1006/73). E sobre a posse, declara terra indígena a que tradicionalmente ocupam como de natureza originária, anterior ao Estado e existindo independente de qualquer reconhecimento oficial. No parágrafo 1º, do seu Art. 231: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. O parágrafo 4º é mais sucinto e incisivo: “As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis e os diretos sobre elas, imprescritíveis”.

A ação de injúria racial dos deputados do PSL não apenas manipula o imaginário estereotipado sobre o “silvícola”, ao invalidar a identidade indígena dos ocupantes da Aldeia, desviando (inclusive juridicamente) a denominação para “drogados”, “vagabundos”, por exemplo, mas exploram uma lacuna jurídica para a política indigenista: os índios não aldeados e aldeados urbanos. O desaldeamento aproxima-os do imaginário do que se chama de “aculturação”: o índio que perdeu sua essência e, como nacional (e não indígena), perde imediatamente os direitos garantidos. O imbróglio reside na necessidade de aprimorar e evoluir a legislação ordinária nos primados estabelecidos pela Carta Magna.
Os casos da Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, e do Santuário dos Pajés, no Distrito Federal, por exemplo, pelo caráter autogestivo, pela autodeterminação, independência política e institucional frente ao Estado (FUNAI) e de organizações sociais (ONG’s) e ainda pela falta de precedente jurídico (ou seja, sem literatura sobre e tampouco categorização jurídica ou teórica acadêmica adequadas), apontam para o futuro, num extremo oposto à tutela. Eis a importância da Aldeia Maracanã. Não estão sozinhos, inclusive, proliferam-se movimentos indígenas e aldeamentos urbanos espontaneamente, que confirma uma tendência política para o movimento indígena contemporâneo.

A importância da Aldeia Maracanã.

Um século de legislação tutelar, desde a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), por Marechal Rondon, em 1910, nitidamente evolucionista e integracionista por etapas, até a criação da FUNAI (1967) e o Estatuto do Índio, de 1973, mantém-se o assimilacionismo por etapas, que em boa medida considera os índios “incapazes” frente à assimilação direta à sociedade envolvente. Vamos combinando isso com o avanço paradigmático da Constituição Federal de 1988, teremos um resultado onde toda política e a jurídica de emancipação, auto-organização e autodeterminação dos povos indígenas, serão orientadas para as Terras Indígenas, para as demarcações. Isto faz sentido já que o Estatuto do Índio privilegia os aldeados e destitui da tipicidade da tutela aos “aculturados” ou assimilados que estariam na fase intermediária de integração à sociedade nacional. O mais importante é compreender que o olhar exclusivo aos aldeados restringe a ampliação conceitual elencada nos Artigos 231 e 232 da CF 1988.

O Artigo 232 ainda reconhece a capacidade processual, ao declarar “os índios, suas comunidades e organizações, são partes legítimas para ingressar em juízo, em defesa dos seus direitos e interesses”. Os índios podem entrar em juízo contra o próprio Estado, seu tutor. O Novo Código Civil, de 2002, retira os índios da categoria de relativamente incapazes mas carece e legislação especial para tal.

Segundo o Instituto SocioAmbiental (Isa), “a partir de 1991, projetos de lei foram apresentados pelo Executivo e por deputados para adequar a velha legislação aos termos da nova Carta. Em 1994, uma proposta de Estatuto das Sociedades Indígenas foi aprovada por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, mas encontra-se paralisada em sua tramitação”.

Faltam políticas públicas para os não-aldeados, os aldeados urbanos e os índios residentes em áreas urbanas, mesmo que temporariamente. Ou talvez seja melhor dizer que precisamos urgentemente descolonizar o Estado brasileiro por completo na política indigenista.

Em 2018, no dia 17 de maio, foi instalado o Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEDIND) no Rio de Janeiro. Sua sede fica no prédio da OAB-RJ, na rua Marechal Câmara. Estatutariamente, sua missão é garantir a visibilidade e o bem-estar dos povos indígenas no Estado do Rio de Janeiro, o que compreende as áreas rurais e urbanas. O eixo Inter setorial de políticas públicas abrange proteção ambiental, educação, saúde, moradia e direito à terra.

O CEDIND pode conectar-se a secretarias como a Superintendência da Igualdade Racial, assim como a do Meio Ambiente, universidades e a Defensoria Pública. No entanto tal Conselho não encontra representatividade para o movimento indígena, como os aldeados da Aldeia Maracanã. Denunciam e desconfiam da cooptação e promiscuidade política a que os indígenas podem estar sendo submetidos na relação com o Estado. O Conselho está subordinado institucionalmente à Secretaria Estadual dos Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos (SEDHMI).

Por outro lado, a emergência nos últimos 30 anos de políticas de afirmações identitárias e de reparação histórica como a política de cotas, tem promovido o aumento vertiginoso da auto-declaração indígena, apesar do esforço e práticas institucionais penderem mais pros afro-descendentes. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1991 tínhamos 294.000 índios no Brasil declarados, sendo que em 2000 este número subiu para 734.000. Em 2010, são 896.000, com 36,2% vivendo em áreas urbanas. No estado de São Paulo são 40.000 índios viventes urbanos e no Rio de Janeiro, mais de 15.000.

E é nas favelas e periferias que vivem silenciosamente outros indígenas com sua identidade não reconhecida pela população urbana. O que, devido ao assimilacionismo, aumenta numericamente a estimativa demográfica deles nos centros urbanos, bem acima do recenseado pelo IBGE. Diga-se, de passagem, que, antes de 2006 ou do início da vivência no prédio do Museu do Índio, muitos dos seus fundadores viviam no complexo do Alemão.

Talvez precisamos ampliar o espectro indígena na melanina dos brasileiros. Como têm demonstrado alguns movimentos indígenas, talvez nem todo pardo seja negro, pode ser meio indígena também. Fogem à compreensão do imaginário comum.

Logo, a potência de haver um santuário urbano que possa reforçar e abraçar estes desaldeados e servir de articulação para com os movimentos indígenas aldeados e de Terras Indígenas já demarcadas ou não, é indescritível. O movimento da Aldeia Resiste aponta um futuro e o avanço entre os vários campos de batalha dos movimentos indígenas no Brasil pela auto-determinação. Aldeia Resiste!

Notas e referências.
https://pib.socioambiental.org/pt/Estato_do_%C3%8Dndio
https://indigenas.ibge.gov.br
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6001.htm
https://www.socioambiental.org.br

Início de ano tem oito terras indígenas sob ataque


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
https://anovademocracia.com.br/no-107/4627-pm-de-cabral-despeja-aldeia-maracana
http://www.funai.gov.br/index.php/comunicacao/noticias/4712-governo-do-rio-de-janeiro-cria-conselho-estadual-de-diretos-indigenas2