Créditos: Caio Ferraz / ANF

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Eu, sociólogo, poeta, ativista de direitos humanos, empreendedor e um dos primeiros colaboradores da Agência de Notícias das Favelas, tive a oportunidade humanamente superlativa de ser o correspondente da ANF na Marquês de Sapucai no carnaval 2014. A honra foi maior porque eu  estava ao lado de meu parceiro/irmão, o jornalista André Fernandes, fundador da ANF.

Digo que a experiência foi humanamente superlativa porque  pude, de dentro do desfile do grupo especial do carnaval do Rio, sentir a emoção de retornar a meu país em grande estilo. Após ter vivido difíceis 18 anos nos EUA, como o primeiro exilado político brasileiro a ser reconhecido pelo governo americano, tive uma dupla emoção.

A primeira sensação foi poder pela primeira vez reencontrar minha bela cidade que passa, assim como todo o Brasil, por turbulências politicas dado o grau de insatisfação com a usurpação do direito que cada brasileiro deveria ter na partilha da riqueza aqui produzida.

A segunda advém de poder estar ali na passarela do samba, lado a lado, com pessoas diversas: do Boni da Globo, das exuberantes beldades, contraventores, juizes, políticos e figurões da música como meu querido amigo Fagner, jogadores de futebol, esportistas e artistas globais. Porém meu olhar estava atento aos humildes cidadãos, que fazem das tripas ao coração para ver sua Escola de Samba fazer bonito na avenida.

As luzes, os holofotes, as belezas masculinas e femininas, misturados ao som arrepiante das baterias e toda beleza plástica das fantasias nos faz achar que não estamos no Brasil de milhões de deserdados. A Sapucaí transforma-se num feudo dos senhores das capitanias hereditárias, onde os súditos desempenham o papel de subservientes. Parece um país do faz de conta. Ali vemos uma harmonia fabricada pelo suor de Josés e Marias que não têm o direito de errar e nem tampouco desafinar porque “quem não gosta de samba, bom sujeito não é.  É ruim da cabeça e doente do pé.”

Pessoas como Ronaldo Gomes da Silva, 45 anos, pai de quatro filhos, ajudante de cozinha. Um negro, como a maioria dos seus pares, morador da favela Palmerinha (em Honório Gurgel, zona norte do Rio), fazem o carnaval acontecer. Ele estava ali na “ala da força” para garantir que a GRES São Clemente pudesse desfilar com o enredo Favela. Que falava da história dele e de milhões de favelados que sempre foram personas non gratas nesta cidade.  Quantos Ronaldos estavam ali passeando pela passarela pra ganhar de R$50.00 ou R$100.00 pelo árduo trabalho? Quantas baianas, que cozinham e lavam o ano inteiro nas casas de madames dessa cidade, estavam ali felizes? Quantos ferreiros, pintores, pedreiros, padeiros, porteiros,  motoristas e eletricistas passaram pela avenida? Quantos garis não tão famosos como o gari Sorriso estavam na Sapucaí limpando a avenida ao fim de cada desfile?

É nessa promiscua aceitação do errado com o correto que vivemos num berço esplêndido e temos a desenvoltura utópica de nos considerarmos uma sociedade sem conflitos, um país de paz. Somos mesmo um país ou um aglomerado de gente que não luta para mudar essa realidade? O que queremos como nação?  Mijar no chão e jogar lixo no chão e depois reclamar do governo?

Enfim é na cadência da vida sem propostas e projetos que vemos a decadência do samba e de um povo. Ou gostamos de ser iludidos ou manter o povo brasileiro nos guetos faz mesmo parte de um projeto de desumanização da vida.

E vai ter Copa, e vão ter mais carnavais e depois vai ter Olimpíadas e o povo brasileiro pagará a conta do país do faz de conta.