Não haverá segundo tempo: é preciso criar outras formas de viver

Bairro Central Carapina, Serra, Espírito Santo- Crédito: Reprodução

Crianças e jovens deixados sem futuro. A ponte para o futuro era uma ponte para o abismo. Finge-se normalidade, busca-se rotina, bloqueia-se qualquer reconhecimento da tragédia a que estamos submetidos, seguimos acreditando que haverá um segundo tempo.

Insistimos em manter nossa maneira de viver e acreditar que ela é a mais correta. Permanecemos cegos em nosso estilo de vida, acreditando que sem mudar as relações e conexões que temos com o mundo, nós sobreviveremos.

Mesmo com apostas nas fugas coletivas e individuais, o nosso mundo segue ruindo a cada dia. Não há futuro para todos – homens, objetos e natureza – dentro dessa nossa forma de viver. Não haverá segundo tempo, a Terra segue avisando, mas não aprendemos, especialmente as elites e autoridades públicas.

Sustentamos um modo de vida de poucos, que consome tudo e destrói vidas, paisagens, corpos, histórias e territórios…Nos recusamos a reconhecer a violência que caracteriza as ditas modernidades e alta-modernidades.

Nós nos iludimos com o conforto, as novidades e a praticidade cujo preço é a exploração do trabalho alheio sem direitos ou guerra de apropriação.

Jacarezinho é apenas o começo de uma sociedade que se estrutura na lógica do saque, da pilhagem e expropriação, os quais impõem a vida precária ao oceano de perdedores e vencidos.

Quem não tem poder e renda, não tem direitos. Quem escolheu errado, não tem direitos. Afirma-se uma vida social em que a responsabilização individual justifica a política de morte e a hegemonia total da lógica de mercado, qual seja: saber como proceder, como andar e agir, como se tornar o centro dos lugares e situações pelas quais passamos.

O verdadeiro fascismo segue intacto, sem questionamentos e protestos de sujeitos, instituições e saberes que insistem em continuar sendo o governo do capital, o fascismo do mercado que recusa qualquer diferença que não possa ser mercadorizada ou monetizada.

Tal tendência mercadorizante penaliza qualquer corpo ou forma de vida que não possa ser engajado em processos de acumulação ou que se coloque contra sua realização, por meio de críticas, como fazem determinadas universidades, alguns jornais alternativos, pesquisadores e intelectuais, assim como os diferentes movimentos sociais.

A vida da máquina de acumulação de poder, prestígio e dinheiro “segue sendo orientada pela produção eficiente e empreendedora”. Ocupar e matar torna-se a lógica cotidiana, que transforma o corpo do outro em mero instrumento da garantia de tranquilidade, boa vida, especulação e espoliação da vida alheia.

Estamos diante de uma vida cotidiana em que o direito sobre a vida e a morte dos indivíduos e grupos sociais segue governado pela lógica de quem pode mais (o império da Força sobre o império do Direito e da Lei), organizada pelo  jogo de poder conduzido pelo mercado e pelos potentados de poder.

Seguimos enfrentando um darwinismo social celebrado e apoiado, o Big Brother é a máxima expressão. Pierre Clastres chamava essa lógica de máquina etnocidária e hoje Achille Mbembe denuncia como necropolítica e Márcio José Mendonça e Cláudio Luiz Zanotelli problematizam como urbicídio.

Segundo esses intelectuais figura entre nós a ignorância tática que nos leva a evitar e não reconhecer que a vida moderna ou pós-moderna, inclusive no Brasil, só foi possível com a morte do outro, seja ele culturas, corpos, naturezas e objetos que não são reconhecidos como dignos de existirem ou como meros recursos do suposto processo universal da acumulação.

Em outro momento, descreveremos os infinitos processos de lutas, resistências e negociações dessa lógica de extermínio e matança que constitui a vida ocidental, de que o século XX foi a máxima expressão: holocaustos, guerras, ditaduras, desastres ambientais, choques econômicos. Como denominou Giorgio Agamben, o século XX foi o século do estado de exceção.

No último dia 28 de maio, pouco antes de finalizar esse artigo para Agência de Notícias das Favelas soube que o jovem, negro e periférico, Everton dos Santos Silva fora assassinado por um Policial e morreu no meio da rua no Bairro Central Carapina, Serra, Espírito Santo.

A população protestou, chegando atirar pedras nos militares envolvidos no episódio.

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