Não somos um corpo estranho

Essa frase compôs uma carta desabafo escrita pela advogada Beatriz Silveira, ao final da atividade proposta pela OAB Federal às advogadas negras, pelo dia da Mulher Afrolatina Americana e Caribenha, no ano de 2020. O evento começou com um impactante discurso do então presidente Felipe Santa Cruz, que ao longo da sua fala, reconhece que o racismo estrutural o coloca em vantagem, pela origem e cor da pele, em relação a tantos advogados negros e advogadas negras.

Tal reconhecimento deu forma à todas as apresentações que se seguiram. Fortes e encorajadas, todas as palestrantes trouxeram ao longo das suas falas o que é ser uma mulher negra no exercício da advocacia nesse país.  Jovens, mais ou menos experientes, mesmo as recém iniciadas na advocacia, todas trouxeram lutas convergentes e insurgentes pela sobrevivência.

Compreendemos que somos um corpo estranho nos Sistemas Institucionais, porque somos um corpo estranho na sociedade. Ser mulher negra é ser, na sociedade, alguém que ocupa cargos subservientes ou de pouca tradição acadêmica. E as forças daquele evento, ocorrido em 24 de julho de 2020, geraram um livro, o primeiro com a força de escritos e relatos vividos por mulheres negras advogadas e juristas publicado pela Editora OAB Nacional. O livro chama-se Desafios das advogadas negras no exercício profissional e teve como organizadoras as advogadas: Beatriz Silveira, Silvia Cerqueira, Daniela Borges, Mariana Lopes.

Livro Desafio das Advogadas Negras no Exercício da Profissão, 2020.

Hoje o mundo exige uma movimentação mais plural e transversal, que proponha normalizar a presença negra em espaços de poder e liderança. Se trata de uma exigência global. Diversidade e pluralidade precisam e querem estar em todos os espaços, com participações visíveis e atuantes.

O processo de ampliação nos espaços institucionais é acompanhado de ataques sistêmicos, principalmente em redes sociais, que visam tão somente manter o estado das coisas e o apagamento de movimentações que tragam ao debate temas necessários como Igualdade e Equidade.

Tais manifestações, tão hostis, evidenciam a inabilidade de evolução pessoal e social, assim como a resistência sistêmica que visa a permanência do que sempre foi posto e do que podemos chamar de Projeto de Estado Neocolonial.

A sociedade precisa compreender que as desigualdades históricas são frutos de um processo de escravização sem precedentes na história, considerando a peculiaridade de procedimentos aplicados aos escravizados que aqui chegaram e que fomos o último país a declarar a abolição.

Mesmo diante da declaração da abolição, o seu dia seguinte, 14 de maio de 1888, chegou sem liberdade e, até hoje, a objetificação do ser negro permanece.

A diversidade necessita estar presente nas políticas institucionais, para que não fiquemos apenas nos discursos. Ampliar a participação da mulher negra nas estruturas é mover todo o sistema, assim como traz a luz a compreensão de igualdade razoável decorre da assertiva de Boaventura de Souza Santos, quando afirma que:

“Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza e o direito de ser diferentes quando a nossa desigualdade nos descaracteriza”.

A aplicação das políticas afirmativas sugeridas nos debates e nos documentos já produzidos, representará o primeiro passo para o combate às desigualdades hoje ainda experimentadas, com repercussão nas instituições, cujo exercício simplesmente do Direito a Igualdade está constitucionalmente posto, por si só.

Sigamos firmes na luta, porque não seremos mais um corpo estranho.

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