Não caber em roupas, cadeiras, camas, poltronas, catracas, elevadores, causa nos corpos – e mentes gordas – mais estragos do que o cálculo do Índice de Massa Corpórea (IMC), usado para definir se alguém é ou não doente e, por conseguinte, um risco para a saúde pública.
Pessoas gordas, em especial mulheres gordas, sofrem diariamente com os dizeres “mas é só preocupação com a sua saúde”. Se é isso mesmo, me ajuda a pagar a parcela mensal do plano de saúde, ou paga minhas sessões de psicanálise. E que tal pagar minhas aulas de natação? Ou minha academia? E se você me fizer companhia em caminhadas pelo bairro? Que tal sair comigo para tomar um café e me ouvir falar sobre o preterimento social que sofro?
Quantas pessoas “boas” estão preocupadas com a saúde de outrem, mas, jamais, em toda a vida, doaram sangue, ou fizeram o cadastro para doação de medula óssea? Quer mesmo ajudar as pessoas? Procure a unidade de captação de sangue mais próxima. Os estoques se esvaziam rapidamente e você pode salvar vidas. Não é patrulhando o prato da pessoa gorda que você vai salvar alguém.
Tratar o corpo de uma pessoa gorda como excesso ou exagero é uma prática absurda de desumanização. A pergunta que devemos nos fazer é: por quê? Por que tentam desumanizar nossos corpos gordos? Por que eles incomodam tanto? Por que a insistência em tratar como uma epidemia ou um caso grave de saúde?
É sabido que não existe nenhuma doença que atinja apenas pessoas gordas. Todos os dados sobre colesterol, pressão alta e diabetes são contestáveis. Mas posso afirmar, sem excesso, que a gordofobia existe e afeta todas as pessoas gordas.
A gordofobia é limitante, ela impede que a pessoa conviva em sociedade e obriga o isolamento, com isso vem a depressão, e a tal preocupação tão excessiva com a saúde dá lugar a inúmeros problemas de autoestima, autoaceitação e autoconfiança. Mas, quem se importa? Se a pessoa gorda estiver isolada, chorando numa cama, tudo bem, o que ela não pode é estar plena, viva e radiante na sociedade, ocupando espaços com seu corpo gordo. Aí não dá. N-Ã-O T-E-M C-A-B-I-M-E-N-T-O.
Não tem cabimento que a pessoa gorda queira ser livre. Por isso, pessoas magras precisam, o tempo todo, lembra-la o quanto ela é “doente” por estar “acima” do peso considerado ideal pela sociedade. Não importa o quanto a pessoa gorda seja ativa, pratique esportes, coma bem, trabalhe duro e seja legal. Ela é gorda e é importante reforçar os estereótipos, assim como o mal estar dela.
Não importa que a pessoa magra não esteja saudável. Ela é magra, logo, aparenta estar. Não importa o que ela come, as drogas que eventualmente usa, ou o quanto lhe custa o corpo magro. Ela cabe. Cabe nas roupas, nas catracas e nos bancos. Cabe no pensamento, na fragilidade social, no estereótipo prescrito.
Pessoas magras cabem e tem passabilidade social. Pessoas gordas são lidas como doentes e não importa quanto de saúde efetivamente tenham: o mundo é programado para que elas não caibam. E, não tendo cabimento, não podem existir, tampouco lutar.
Este não é um texto feliz. Ele propõe uma reflexão: estamos nos preocupando com o tamanho, com o quanto as coisas cabem, por quê? A quem serve esse cabimento?
Meu desejo é que possamos nos esparramar, nos esbaldar, sair pelas bordas, não caber, derramar nosso corpo, nosso tamanho, nossos sonhos e nossas vidas. Meu desejo é que a gente, mais do que lutar, possa, um dia, ao menos um dia, descansar. Tem cabimento?
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