Quem nasceu na Favela sabe como é: existe dentro de nós uma chama que nunca se apaga, uma força dobrada que indiscutivelmente nos faz mais fortes e mais determinados a vencer diariamente. Quando viemos do seio da favela, nossos mantimentos existem com mais nutrientes, as substâncias que nos mantêm vivos são muito mais substanciais. A seiva vem do sobrenatural, de onde não se tem mais para tirar, e é através da insistência em continuar que o nosso lugar tem subsistido.
Inúmeras vezes, me pego pensativo e com uma indagação constante, buscando uma resposta. É um vazio nos pensamentos, uma dor que transpassa a alma. A cada dia, não encontro uma resposta audível e clara. Como somos tão fortes assim?
Fico analisando a determinação de um grupo de artistas aqui do Complexo do Alemão que está colorindo a favela com muita força de vontade. O Favela Art nasceu dos sonhos da moradora Mariluce Mariá, mulher negra nascida aqui, que criou essa iniciativa e, mesmo com tantos obstáculos, tem alcançado resultados incríveis envolvendo crianças, adolescentes e jovens com arte e muitas cores.
Fico impressionado com a determinação dessa galera. Que força eles têm! Que vontade de ver o local onde vivem mais bonito e com muita vida através do colorido das tintas e pinceis! O Favela Art nasceu aqui dentro e, afirmo, por isso tem sobrevivido em meio a tantas adversidades e obtido êxito não só aqui como em vários outros locais. A determinação de cada integrante desse projeto é o espelho de cada morador também.
No íntimo de cada um há o desejo de ver um local melhor, e é através de nossa força interior que fazemos tudo isso – mesmo com tanto sofrimento, dor e desprezo de uma sociedade que nos olha como objetos descartáveis. Como encontramos tanta energia para vivenciar as inúmeras dificuldades que plantaram para nós e que ainda continuam a nos rondar cotidianamente? A nossa energia é descomunal e altamente inconcebível aos olhos da atual dita sociedade.
Além de enfrentar as adversidades do dia a dia, vivemos a rotina de intensos tiroteios e insultos aos moradores. Quem se habilita a viver na favela está entregue à morte a todo momento. O risco de sermos alvo de uma bala perdida é quatro vezes maior que o normal. Não se sabe a que horas começará a próxima troca de tiros. A vida aqui é muito mais difícil de se viver.
Com tudo isso encontramos força de onde não existe. Ainda temos um sorriso no rosto e vontade de vencer na vida. Temos muita determinação e encontramos respostas antes mesmo de ser formulada a pergunta. Temos a força que vem de dentro da favela.
Seja como for, venha de onde vier, a força de dentro da favela é imutável na sua maneira de encarar os anseios de cada um de nós. Temos uma força oriunda do aprendizado diário do nosso “manual de sobrevivência”.
A seiva que alimenta cada morador da favela é a mesma que dá a força que nos faz sobreviver diariamente e mostrar ao mundo que temos uma resistência diferenciada.
Foi justamente por essa força que o mundo viu a primeira medalha de ouro para o Brasil nas Olimpíadas Rio 2016 nascer do esforço de uma menina negra da favela, alimentada por essa mesma seiva, dessa força que temos. Foi o grito de cada um de nós, mesmo suprimido, que empurrou Rafaela Silva, da Cidade de Deus, ao lugar mais alto do pódio – direto do coração da favela para a alegria de todos os brasileiros. Eu tenho muito orgulho dessa força. Nós somos uma potência.