Uma jovem mãe solteira, sozinha e grávida de 9 meses, chegou na Nicarágua meses antes do triunfo da revolução sandinista, no início dos anos 80. Elena era espanhola de nascimento, mas se considerava chilena, latino-americana e socialista. Integrava o Movimiento de Izquierda Revolucionária (MIR) do Chile, organização que defendeu a luta armada durante o governo socialista de Salvador Allende e que sofreu brutal repressão após o golpe militar que levou ao poder o general Augusto Pinochet.
Elena e Pablo, seu companheiro, após meses clandestinos em Santiago, e munidos de passaportes mexicanos falsos, conseguiram deixar o país passando por La Paz, Lima, Caracas e finalmente chegaram à cidade do México, onde conseguiram estabelecer uma vida relativamente normal por um par de anos, pelo menos. Pablo conseguiu uma vaga de jornalista no periódico progressista La Jornada, Elena dava aulas de educação infantil numa escola Waldorf no belo bairro de Coyoacán, a 2 quadras das casas de Frida Kahlo e Diego Rivera.
Na casa térrea de 2 cômodos e meio que alugaram na capital mexicana, com ajuda de organizações internacionais de apoio aos exilados e refugiados, viviam em relativa tranquilidade e adaptados à vida do país, mas não deixaram de lado as conexões com os movimentos revolucionários latino-americanos. Após o esfacelamento do MIR no Chile, seus militantes se sentiram autorizados a tomar rumos distintos em relação a suas atividades políticas, fossem públicas ou clandestinas.
Pablo estava particularmente impressionado com os textos e discursos de Abimael Guzmán, o “Presidente Gonzalo”, líder do Partido Comunista do Peru- Sendero Luminoso (PCP-SL). Guzmán exortava as perspectivas animadoras desta nova guerrilha maoísta peruana, que com bases já consolidadas na selva e apoio das comunidades indígenas, pavimentava o caminho da revolução popular preconizando o cerco à cidade pelo campo. Mas sua comunicação com os peruanos era completamente clandestina e sigilosa, nem mesmo Elena poderia saber deste vínculo, por questões de segurança.
Um dia, um emissário dos peruanos procurou pessoalmente Pablo e lhe disse, caminhando pelas ruas da Cidade do México, que ele deveria viajar à Lima para se integrar clandestinamente à guerrilha, como um dos homens de confiança do Presidente Gonzalo. Não tardará o momento da declaração da guerra popular no Peru, dizia o agente enviado, e era necessário reunir os melhores quadros da esquerda latino-americana para dar cabo de tão grandiosa tarefa. A Vitória da revolução no Peru acenderá a centelha q levaria a guerra popular a todo o continente.
Foi difícil, mas Pablo em poucas semanas organizou tudo para seguir rumo ao Peru. No protocolo de clandestinidade rigoroso estabelecido pelo Sendero Luminoso, ele deveria sair de casa de manhã, com a roupa do corpo, como se fosse um dia normal de trabalho. Doeu fundo não poder dizer nada a Elena. Amou a mulher com desejo e fúria maiores que o habitual naquela noite, e na mesa do desayuno, enquanto comia os tamales preparados por ela, olhava para tudo emocionado, pensando que aquela seria a última vez. Mas o dever do revolucionário é fazer a revolução, e Pablo partiu para sempre, fingindo a normalidade de quem vai até a banca de jornal da esquina. Não sabia no entanto que estava deixando algo ainda mais forte pra trás: Elena estava grávida de poucas semanas.
Ela teve que sofrer em silêncio o desaparecimento do marido e a descoberta da gravidez nestas condições. Qualquer movimento no sentido de procurar o marido poderia levantar suspeitas e levar as autoridades militares chilenos e os infiltrados da CIA no governo mexicano a descobrir o paradeiro dela e dele.
Sem saber que Pablo estava no Peru, Elena passou a acreditar que ele havia sido preso e capturado pelos militares chilenos. Poderia estar morto àquela altura. O México já não oferecia a ela a tranquilidade e segurança que havia desfrutado nos últimos anos. Chegavam notícias que um governo popular estaria prestes a assumir o governo na Nicarágua, um pequeno país da América Central, dominado há décadas pelas oligarquias ligadas à família Somoza. O movimento sandinista reunia católicos, camponeses e comunistas da Nicarágua e de outros países. Em contatos com a embaixada de Cuba no México, Elena consegue uma vaga para trabalhar como educadora popular, alfabetizando adultos nas periferias de Manágua.
Com a gravidez em estado bastante avançado, Elena atravessa o golfo do México e o mar do Caribe em uma pequena embarcação que viajou à noite, driblando a vigilância da Guarda Costeira. Entre tonturas, enjoos e tormentas, chegou no litoral nicaraguense quase em trabalho de parto. Atendida por médicos cubanos em missão no país, Elena deu a luz à Violeta, uma linda menina de cabelos negros e olhos claros, filha dela e de Pablo, descendente da revolução, cuja vida desde o nascimento estaria ligada à história das lutas pela libertação da América Latina. Assim começa a nossa história.