É incrível que o fracasso não nos leve à reformulação de tudo. É inaceitável que a derrota estratégica não leve à mutação das prioridades. É inconcebível que metodologias velhas e sem resultados sigam fazendo o dinheiro público se esvair numa ação sem impacto – ou, pior, com impacto negativo. Basta ver o caso das UPPs, falidas, humilhadas. Anos se passaram, bilhões foram gastos, milhares foram mortos, famílias foram torturadas, policiais morreram. E o que temos?
Basta ver o estado das coisas no Complexo do Alemão. Toda essa tragédia ficaria invisível à cidade não fosse o esforço da comunicação popular da favela e de sua corajosa e ousada luta por direitos. Como assim? Invadir casas, expulsar moradores, construir paredes ou derrubá-las, montar bunkers, trincheiras… Homens fardados, com fuzis, tomam a sua cozinha e sala de estar e furam buracos na parede para melhor atirar. Que tipo de sociedade dá carta branca para que isso aconteça sem maiores consequências? Sabemos: são as sociedades-tipo-apartheid.
Quando é que os governos vão mudar suas prioridades? Como teremos resultados concretos se eles continuarem a fazer (errado) o que sempre fizeram? Mudar as prioridades significa inovar também nos orçamentos e mudar as fatias das pizzas dos gráficos orçamentários. Sonho com o dia em que ouviremos da boca de um governante, diante da imprensa: “A crise está grave? Vamos investir mais em educação e cultura!”. Porém, a verdade é que só temos visto mais do mesmo. É o triunfo da mesmice. Segundo anunciado para estancar a sangria da iminente greve branca da Polícia Militar, lá vem os nove mil soldados… E tudo que eu queria agora era ver a planilha deste orçamento para chorar abraçado com educadores. Mas ninguém vai fazer isso. Artistas e educadores estão em plena luta. O cenário institucional é tenebroso, mas no cenário civil da resistência há riquíssimas experiencias tomando corpo.
É preciso ampliar, de fato, mesmo diante da concretude e do discurso da crise, a grandeza e a escala dos investimentos em arte e cultura como eixo de uma nova visão de cidade. É mais que necessária uma concepção urbanista que encare a obra imaterial artística-cultural como organismo essencial e prioritário da vida social, cuja pulsão frequente deve animar as escolas públicas, os parques e praças, as ruas, fazendo circular a diversidade cultural da cidade, fortalecendo a potência da juventude, abrindo redes de desenvolvimento mútuo, melhorando a vida nos bairros – diminuindo, sim, a violência de forma transversal. O conceito de arte pública deveria guiar os investimentos. A cidade do Rio de Janeiro tem um orçamento anual de 30 bilhões de reais. Dada a sua vocação e patrimônio, o orçamento para a cultura deveria ser de 1 bilhão! Assim, a cidade poderia pulsar arte e enfrentar a violência de uma maneira certamente mais eficiente do que a atual.
A cultura vai fazer a diferença na reinvenção das cidades. A arte é a mais subestimada tecnologia, mas está em campo uma geração que vai mudar isso. É só aguardar.