Aos 69 anos, o pastor Caio Fábio já fez de tudo na vida, na terra inteira, “milhões de vezes”, diz em entrevista exclusiva ao Voz da Favela, que o portal da ANF republica aqui. Mas ele ainda tem planos, e ambiciosos, para a próxima década: “Quero aproveitar mais dez anos de energia, estou cansado de trabalhar, mas não de fazer as coisas que eu amo.”

Ele pretende realizar séries audiovisuais, que não são novidade em sua trajetória, pois desde o início dos anos 1980, faz documentários em diversos locais do mundo, como Israel, Turquia e Egito.

Para a nova empreitada, tem conversado com amigos dos Estados Unidos, Europa e Brasil. “Quero mostrar coisas na minha terra, na Amazônia, mostrando como as milícias entraram nos rios”, diz.

Caio Fábio está levando um grupo de pessoas para Israel e vai gravar “três ou quatro documentários maravilhosos”. Ele pretende fazer “uma releitura da idade da espécie humana baseada nas novas descobertas, na Turquia, com comunidades humanas com mais de 50 mil anos de idade”.

Antes de viajar, na conversa com o Voz da Favela tratou dos anos Bolsonaro, crime, descriminalização, política, temas sempre relacionados à religiosidade, afiadíssimo nas falas e ideias, como é a sua marca.

Em algum período histórico houve degeneração tão grande e combinada entre política e religião?

Na história do Brasil, nunca houve um tempo tão diabólico, tão horroroso, quanto o governo Bolsonaro. E nunca houve uma rendição, uma prostituição, uma promiscuidade, uma entrega tão absoluta. Mas Deus sempre reserva 7000 joelhos que não se dobraram, como foi no Velho Testamento, nos dias de Elias. Houve no Brasil um casamento promíscuo entre a pior política e a pior manifestação de igreja institucionalizada.

A história do cristianismo é bastante criticável.

Na história do cristianismo, tivemos momentos tão horrorosos ou piores, do que a gente teve na história recente do Brasil. O que aconteceu na Alemanha de Hitler, eram cristãos. Se todo mundo que estava ali matando, prendendo em campo de concentração, estava cantando Castelo forte, o hino de Lutero nas catedrais. Estavam abrindo o ventre de mulheres, colocando gatos vivos dentro e depois fechando, e, ao mesmo tempo, cantando louvores ao Deus de Israel nas catedrais da Alemanha. Nos dias de Hitler foi assim o tempo todo, a chamada idade das trevas, com as coisas mais absurdas, as inquisições, as fogueiras, as mortes, as maldades. A história do cristianismo é a página mais negativa da civilização humana. O que dizem fazer em nome de Jesus é escondido atrás dessa insígnia, desse emblema, o que torna tudo infinitamente mais perverso, mais demoníaco e mais diabólico. E esse efeito na história do Brasil, te respondendo objetivamente: nunca houve nada tão horroroso como esse período dos últimos quatro anos, nesse casamento promíscuo entre a pior política que já houve na história do Brasil, com a pior manifestação de igreja Institucionalizada que também se tem registro na história do Brasil.

A criminalidade tem incorporado a religião, que também é a crença de muitos policiais. Como analisa esse quadro?

Isso é antigo, a perspectiva era a religião dialogar com a perversidade, e a polícia militar está cheia de crentes, é a grande maioria, eles não vão melhorar a polícia, eles vão piorar na polícia. Dentro da polícia, vão acabar virando outra coisa. No Rio de Janeiro, vemos a Comunidade de Israel, o tráfico junto com a religião, já tem livro escrito a respeito disso. Honestamente, não vejo solução enquanto não houver descriminalização.

Descriminalização de quê?

Enquanto prevalecer a política de repressão às drogas baseada em violência, em fuzil, em arma, em granada, em helicóptero, em cenário de Camboja, de guerra de Vietnã, não tem solução. Isso vai começar a melhorar quando houver uma descriminalização com aumento expressivo da quantidade de cannabis, por exemplo, que o usuário pode usar; quando houver um mínimo de diminuição repressiva; quando se puder entrar dentro das comunidades para fazer a verdadeira invasão de cura. A política de repressão não deu certo em nenhum lugar, quem inventou isso foram os Estados Unidos em 1932, para substituir a Lei Seca, que não tinha funcionado. Foram inventando mais drogas para proibir quando, hoje em dia, nos Estados Unidos, as grandes drogas não têm mais nada a ver com cocaína ou heroína, são opioides vendidos nas farmácias, é isso que viciou o país inteiro, tudo dentro da indústria farmacêutica.

Qual sua opinião sobre a possível descriminalização da maconha para uso pessoal, em votação no Supremo Tribunal Federal?

Proíbem contra toda a lucidez, contra toda lógica, contra toda a ciência, contra toda a verdade. A cada dia eu fico mais certo de que não existe nada mais diabólico na corrupção do Brasil do que essa política de segurança, de repressão. Ela vem corrompendo tudo, está cheio de deputado representando o tráfico, as milícias e os piores interesses, deputados estaduais do Rio de Janeiro, que acabou contaminando o país inteiro, até a Amazônia, onde a gente vê envolvidos com tráfico de drogas, com milícia, com a exploração ilegal de ouro, de madeira. Eles se elegem para vir fazer lobby em Brasília, a mesma coisa no Senado, a mesma coisa com os governadores. Para eles, tinha que ser um mundo tão ideal que eles seriam os primeiros a serem expulsos, esses deputados, especialmente os evangélicos.

Gostaria de falar mais sobre o Complexo de Israel. É o nome de um fenômeno que está sendo pesquisado, o surgimento de traficantes que se declaram evangélicos, influenciando a atuação das facções na disputa por território.

Tem pastor pregando na internet com toda a linguagem miliciana, falando palavrão até não poder mais e dizendo que, para chegar até ele, vão ter que passar pelos meninos dando metralhadas. São os párocos do inferno dessa história inteira. É triste o que está acontecendo. O que é o PCC? Uma variação das facções que existiam no Rio de Janeiro desde a ditadura militar, na Ilha Grande, onde o Comando Vermelho foi criado. Dessa organização veio o Terceiro Comando, vieram outros comandos e acabaram crescendo. O PCC é muito mais poderoso, é paulista, é mais organizado, como em tudo em São Paulo é mais organizado, mais hierarquizado. Há uma visão mais global com tudo em São Paulo. O PCC deixou de trabalhar apenas no ambiente da fronteira brasileira e foi fazer grandes negócios na América Latina e no mundo. É uma infecção generalizada, e eles estão querendo combater essa infecção colocando mais bactéria na corrente sanguínea. O doente só vai ficar pior e vai morrer bem piorado, infelizmente.

Considerando essa experiência, poderia dar um exemplo das distorções nas entranhas do poder que você tenha vivenciado?

Naquela operação Rio, em 1994, o general Lee e o General Câmara Senna, que eram homens da intervenção militar, viram que eu subi em tudo o que era favela, todo mundo depunha as armas e me respeitava. E era fato mesmo. Me chamaram no quartel general, eu fui lá. Aí cheguei, era uma manhã, os dois sentaram comigo, eu levei Zuenir Ventura, e o Rubem César Fernandes como testemunhas, porque eu fiquei grilado com aquele chamado do nada. Cheguei lá e falei “No que que eu posso servir aos senhores?” Fizeram um rodeio para lá e para cá, muito admirados da minha capacidade de entrar em tudo que é lugar e ser respeitado, não sei o quê, aí me perguntaram “você não quer ser nosso informante? Já que eles deixam o senhor entrar em todos os lugares, você mapeia e nos diz onde eles estão, e onde estão as armas, para a gente pegar”. Eu não acreditava no que estava ouvindo de dois generais da República. Pelo amor de Deus, eu sou um pastor, eles querem fazer de mim um X-9. Veja meu amor e o tamanho da minha fé nas instituições brasileiras.

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