Uma semente foi plantada em 1983, quando Flávio Gomes, ainda com 9 anos, fazia parte do Projeto Passeio da Dedete, onde uma vez a cada 15 dias, buscavam 40 crianças da Favela da Rocinha e as levavam para passeios culturais diferentes. Lá ele ficou até seus 14 anos, e hoje, com 46, conta que as outras crianças que participavam com ele, agora adultos, “seguiram por bons caminhos durante a vida”, e que sabe que grande parte foi devido à essa iniciativa.
Seguindo o exemplo do projeto que tanto influenciou em sua formação, Flávio continuou regando essa semente, que hoje dá frutos em diferentes camadas: educativa, social, ambiental e emocional, de crianças e jovens da nova geração da Rocinha. Ele é o idealizador do projeto Horta na Favela, que nasceu em 2017, com o objetivo de atender às pessoas que viviam na parte mais alta da favela, onde identificou como uma área menos favorecida e desprovida de projetos sociais.
Ausência do Estado
O trabalho começou com a construção de uma casa para um senhor que vivia em condições sub humanas dentro da mata, onde o Estado não olha e não chega. Organizaram um mutirão entre amigos, e a partir desta entrega, cresceu o desejo por olhar os problemas do território onde viviam, e principalmente, em como solucioná-los. A questão do lixo foi a primeira a pulsar no coração de Flávio, e junto dela, um olhar macro para o meio ambiente, pensando sobre os resíduos, a qualidade de vida das pessoas, a possibilidade de criação de renda e de que forma se interconectam.
Percebendo a carência de assistência, e sabendo que o cenário só mudaria com educação e pelo coletivo, surgiu a ideia da criação de hortas na favela, e já no início foram realizadas três: uma logo na entrada, na parte de cima de um prédio, e as outras duas foram feitas em lajes. Flávio conta que uma das moradoras tinha problemas de saúde, e certa vez ligou para ele dizendo: “nunca imaginei que iria colher couve na minha laje, agora estou colhendo e está fazendo muito bem para a minha saúde”.
Educação ambiental para crianças e jovens
No entanto, para dar sequência a esse trabalho, Flávio ainda pensava em como conseguiria levar essa ideia adiante. Foi quando iniciou um novo programa, o Reciclando na Laje, com crianças de 6 a 12 anos. Porém, percebeu com a prática, que quando chegavam aos 11/12 anos se tornava mais difícil a comunicação, e para isso instalou o “Papo de Miolo”, que busca falar a linguagem dessa idade e oferecer cursos mais voltados aos jovens, como o exemplo de curso de cílios, maquiagem e elétrica.
Agora, dia 08 de Outubro, ele começa mais uma etapa com esses jovens, o curso mais voltado para a área ambiental, ensinando principalmente sobre a recuperação de nascentes, visto que existe uma área na favela onde as pessoas buscam água da mina, e no verão a necessidade aumenta e chega a faltar água, tornando-se necessário o manejo do local.
O curso vai contar com o trabalho da biologia do solo e também com instruções de primeiros socorros, realizado por uma parceira da Fiocruz, já que por ser uma região muito elevada da Rocinha e de difícil acesso, muitas vezes as pessoas que ali moram não conseguem chegar a tempo ao hospital quando passam mal e precisam de atendimento.
Horta na Laje
Para conseguir dar continuidade a todos os seus objetivos, Flávio alugou um espaço nesta área mais alta, bem em frente à sua antiga casa, onde foi possível criar um protótipo do projeto Horta na Laje e os jovens podem ver como funciona e dá certo. O local é mantido pelo grupo A.M.A.R – Associação de Mães Amigas da Rocinha, mulheres moradoras do bairro de São Conrado que ajudam alguns projetos sociais da Rocinha. “Durante a pandemia perdi meu emprego, e se não fosse por essa ajuda, provavelmente o projeto não conseguiria se manter”, comenta Flávio.
Hoje ele atende em média 75 alunos e o foco é seguir com a educação ambiental, mostrando a importância do plantio de árvores, ensinando o porque existe uma nascente, como fazer para melhorá-la, como produzir seus próprios alimentos com os recursos que possuem. Os novos caminhos também se darão através dos princípios da Agrofloresta, que começarão a ser ensinados e colocados em prática em uma extensa área que existe na Rocinha. Os jovens que se interessarem pelo curso vão ganhá-lo gratuitamente, mas para isso, precisam se comprometer a levar para dentro de suas casas aquilo que aprenderem em campo.
“Meu sonho é ver uma favela independente, no sentido financeiro e de dignidade, porque se ela depende sempre de alguém, perde sua dignidade e seu sonho. O objetivo maior de tudo isso é que a favela e as famílias tornem-se independentes, para que no futuro não precisem de ajuda direta e que se torne algo auto sustentável, onde as pessoas entendam que podem ser auto sustentáveis também, produzindo seus próprios alimentos e até comercializando eles; esse é um grande passo para se combater a desigualdade”, finaliza Flávio.
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