O abismo entre as classes exposto pela pandemia

Foto ilustrativa

Na semana passada, cenas lamentáveis nos noticiários viralizaram na internet, com bares e restaurantes lotados no bairros da Zona Sul do Rio de Janeiro, depois que o prefeito deu a sua benção para a economia voltar a funcionar também nesse setor do comércio. Claro que com restrições, mas que ninguém acatou. Ruas lotadas e bares cheios de pessoas orgulhosas e sem máscaras, como se finalmente a vacina e cura tivessem chegado ao bairro daqueles que, realmente, trouxeram a doença para o país.

Dadá, como prefere ser chamada, mora no Complexo da Maré, tem 60 anos e trabalha há mais de seis em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro. É empregada doméstica e diarista. “Não tenho escolha. Eles reduziram a minha ida lá, mas eu vou mesmo assim, porque preciso do dinheiro pra pagar as minhas contas”, diz.

Dadá é uma das inúmeras empregadas que não foram dispensadas nesta época de pandemia matando mais de mil pessoas por dia. Está na zona de risco pela idade e por problemas cardíacos. Mas precisa do dinheiro, não é aposentada e tem que trabalhar mesmo correndo riscos. “Quando não sou chamada na casa onde trabalho, faço faxinas em outras casas. Tem pessoas que não sabem nem varrer um chão”, complementa.

Comento com ela sobre os bares cheios no noticiário, principalmente no Leblon e na Barra da Tijuca. O que achou? Ela sorri: “Eles não ligam. Se eu morrer, amanhã logo aparece outro no meu lugar, é assim que é. Não gosto nem de imaginar pegando essa doença ou passando pra minha família. Tomo minhas precauções uso luvas e máscaras no trabalho. E assim vou vivendo”.

O que Dadá deixou nas entrelinhas da sua declaração é que os frequentadores dos bares lotados têm recursos para testes de laboratório, internações hospitalares, acesso a todos os remédios e equipamentos importados. Como os balconistas, garçons e cozinheiros dos bares, ela só tem o SUS e o receio supremo de ser infectada, porque o vírus está cada dia mais mostrando o abismo entre as classes. Tudo que antes era chamado de vitimismo, hoje está roçando as barbas da burguesia. O patrões de fato não vivem sem seu luxo diário de um café na mesa, roupa lavada e passada e a casa bem limpa.