Negro, pobre, favelado, graduado e fazendo história: Conheça Demerson Couto, que através do seu amor pelo cinema conseguiu criar as oportunidades da sua vida.
Se pudéssemos representá-lo em uma frase, está seria: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”, do grande pensador Mahatma Gandhi. Esse carioca de 30 anos é pai de dois filhos, morador do Complexo do Alemão, graduado em Rádio e TV e trabalha como fotógrafo. Carrega consigo a ideia de que é preciso mostrar a favela sem as distorções da mídia e como ela pode melhorar com investimentos em cidadania.
Como se deu sua experiência com o audiovisual?
Meu primeiro contato foi com a fotografia, tive como exemplo minha irmã, Daiene, que cursava Publicidade e Propaganda, além fazer um curso de filmagem e edição. Assistindo sua empolgação, decidi entrar na segunda turma do curso e foi quando me apaixonei por cinema. Depois, montamos um coletivo chamado “Alemão em Cena” e na época havia sido construído um cinema no Complexo do Alemão. Lá estreava o Filme “Gonzaga: De Pai pra filho”, no qual minha irmã Daiene e sua amiga, Karen Melo, puderam conhecer a idealizadora do filme, Maria Hernandes, e essas três mulheres começaram a produzir documentários e vendo o trabalho delas, aumentou ainda mais esse desejo de produzir filmes.
Como foi esse primeiro contato com a universidade, os dilemas enfrentados durante o curso e, ao terminá-lo, o que melhorou na sua vida?
Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Lá que comecei a conhecer outras pessoas, pude abrir minha mente sobre muitas coisas que eu achava impossível e vi que tudo poderia mudar na minha vida. Decidi dar o meu melhor durante os quatro anos mais difíceis da minha vida, pois além de estudar, trabalhava como vigilante durante a noite no período de 19:00h ate às 7:00h. A aula iniciava às 07h30min, eu saía correndo do trabalho para chegar à faculdade e sempre era uma luta com horário e contra meu maior inimigo, o sono. Tive a honra de me formar 2017 em Comunicação Social com habilitação em Rádio, TV e Cinema, tirei nota máxima no meu TCC e fui recomendado para participar da jornada Acadêmica de TCC. No ano seguinte a minha formação, fiquei em segundo lugar dentre 10 projeto selecionados, ganhando uma bolsa de desconto 50% na pós-graduação que estou cursando atualmente. Depois de formado ainda encontro sim dificuldades e não me encontro em uma situação favorável como achei que estaria ao me formar. Muitos amigos formados reclamam, porque achavam que depois de formados encontrariam em sua profissão uma estabilidade, mas o mercado não funciona desta forma. Somos obrigados a continuar estudando cada vez mais, fazendo cursos extras e até mesmo outra graduação e, dessa forma, iniciei uma pós-graduação em Produção Audiovisual para tentar algo melhor.
Nos dias atuais, você consegue se sentir inspirado ou representado através da fala de alguém, seja famoso ou anônimo?
Minha inspiração é minha irmã, Daiene. Uma pessoa incrível, muito me ensinou e, aos seus 27 anos, correu atrás dos seus sonhos e conquistou seus objetivos. Hoje ela mora na Califórnia, um sonho que ela semeou e agora está colhendo.
Você mora no Complexo do Alemão, qual o significado desse espaço pra você e o seu olhar sobre a região?
Minha residência é próxima a um dos acessos ao Complexo do Alemão, mas não é necessariamente dentro da favela, assim considerado por alguns moradores, pois são umas três ruas de distância, algo próximo de 1 quilômetro. Para alguns não faz parte, mas dentro do mapa é considerada uma coisa só, porém próximo à Olaria. E, pelo fato de morar onde moro, sempre estive dentro da favela fazendo trabalhos e procurando ajudar a favela da melhor forma. Durante um período dei aula de fotografia para crianças dentro da Vila Cruzeiro, cujas idades giravam entre sete e doze anos, sendo assim um bom exemplo para jovens e adolescentes. Muito antes achavam que era impossível ter uma formação, ser uma pessoa de bem e eu mostro com a minha realidade que isso é possível, basta você querer. Quando temos foco e objetivo, não se deve deixar que as dificuldades nos façam desistir dos nossos sonhos, pois através dele, da força de vontade e com Deus no coração, iremos torná-los realidade.
Como foi produzir cerca de 10 documentários sobre o local em que vive?
Com toda essa correria e andanças pelo Complexo do Alemão com o nosso coletivo, alguns parceiros que surgiram colaboraram para que esses documentários fossem feitos e sem eles nada teria acontecido, somos muito gratos. Por meio desses trabalhos pudemos ter acesso as instituições que antes pareciam impossíveis, levando nosso conhecimento, palestrando e contribuindo de forma positiva no nosso conhecimento através dos filmes.
Você participa ativamente de alguns projetos sociais. Qual a importância dessas iniciativas para um amanhã melhor?
Todos os projetos que participei ativamente ou participo parcialmente, contribuíram para que me tornasse uma excelente pessoa, como pai, como amigo, como pensar em ajudar meu próximo mesmo sem conhecer. Acredito que todos os seres humanos deveriam ao menos uma vez conhecer ou contribuir com algum projeto por mínimo que seja. Tudo pelo fato de, às vezes, você acabar conhecendo pessoas que jamais imaginaria e delas levarem o conhecimento para pessoas e lugares que você nunca imaginou. Com isso então acho que as pessoas nunca devem desprezar ninguém; costumo dizer que se não pode ajudar, também não atrapalhe.
A história da Demerson nos enche de esperança, pois mostra que através da oportunidade uma vida pode ser transformada, que além de receber o apoio para alcançar seus sonhos, ele retribuiu isso para a favela, doando seu conhecimento e tempo.Que possamos contar mais histórias de superação, pois infelizmente muitos talentos e destaques não são descoberto por falta das oportunidades e também do preconceito contra a periferia.