A postura identitária diante do padrão de beleza imposto
A beleza estética do negro tem sido deturpada na visão mítica da miscigenação, pois, acaba invisibilizando as raças sob o guarda-chuva da “democracia racial”. Além de evocar um Brasil racialmente harmônico, essa ideologia promove um esquecimento proposital de todo o processo de contradições e lutas sociais em torno da questão da raça.
Todavia, as origens desse apagamento datam do Brasil colonial, época em que imperava a moda européia e um padrão de beleza acentuadamente branco. Cenário que só começaria a mudar bem mais tarde na metade do século XX, com a cultura de resistência importada do movimento negro dos Estados Unidos. O Brasil, sobretudo em sua comunidade negra, procurava uma postura identitária no seu modo de vestir, falar e agir. Passou-se a valorizar mais os traços naturais, o cabelo, antes demonizado, agora era visto como símbolo da resistência contra a opressão racial, como bem afirmou Katheleen Cleaver, uma das lideranças do Movimento Panteras Negras.
Sendo assim, houve uma época em que os negros, por imposição da mídia, indústrias de cosméticos e a estrutura social, não possuíam referências negras nas mais diversas áreas da sociedade. Esses fatores acabavam, por assim dizer, aniquilando a autoestima dessa população. Embora hoje podemos perceber uma descolonização até mesmo no visual de cada cidadão negro, que assume através dos seus usos e costumes a sua herança ancestral.
Vemos, por exemplo, a afirmação da sua negritude através do penteado. Lembro-me que no tempo da minha mãe era comum o uso da “chapinha” e “escovas” nos salões de beleza. Um ato inconsciente, ou consciente, de não assumir o seu cabelo crespo e seus cachos. A palavra de ordem imposta era se parecer branca, e para isso era válido alisar os cabelos naturais.
Hoje, andando pelas ruas da minha cidade me deparo com um salão que tem como especialidade cabelos de origens afro. Confesso que senti orgulho e sei que esse não é o único salão em todo estado à valorizar o penteado black.
Empoderamento negro
Considerado uma bandeira de resistência estética desde os anos 1970, o penteado Black Power vem ganhando mais adeptos nos últimos anos. Mulher negra, atriz e psicóloga, Aline Deluna, afirma que a mulher ou o homem negro sempre tiveram que parecer “estilosos” para serem minimamente aceitos. “A moda é cíclica e atualmente estamos com muitas tendências dos anos 70, por outros motivos que vão além da questão estética, e isso facilita a aceitação do cabelo, nesse momento. Infelizmente não se trata de um avanço na questão do racismo, já que o cabelo natural continua sendo visto como algo deselegante e desarrumado aos olhos da sociedade”, comenta.
Aline acrescenta ainda, um exemplo onde se feito por uma mulher negra causaria estranhamento, diferentemente se praticado por uma mulher branca. “Uma mulher negra acordar com seu cabelo natural e sair de casa, sem nenhum tipo de produção, é algo que certamente vai gerar olhares de reprovação. Já se ela produzir umas tranças estilosas, um Black bem estiloso e definir os cachos, não irá gerar essa ação. Ou seja, a indústria ainda dita como a população negra deve se apresentar para ser vista com menos incômodo”.
Embora percebamos que exista um avanço no que diz respeito ao lugar de fala do negro na sociedade e seu lugar como participante desse mundo, ainda é possível verificar o preconceito em um país que não se assume racista. “Após as marcas de um processo de escravidão e desfragmentação da cultura negra, esse povo foi lançado ao lugar de exploração e, para proteger seus privilégios, a burguesia majoritariamente composta por pessoas brancas, precisa evitar que a população negra saia desse lugar”, destaca Deluna.
Para além do penteado, outras posturas reafirmam a ancestralidade e o empoderamento da negritude. Segundo a Doutora em filosofia, escritora e ativista social, Luanda Julião, o uso dos turbantes e as roupas coloridas são como um resgate da cultura africana. “Desde o lançamento do álbum dos Racionais MCs em 1997 eu sinto que a autoestima do povo negro vem sendo resgatada através da música e da arte de um modo geral”, sinaliza Julião.
Pode-se afirmar que muito se conquistou até aqui, mas existe uma dívida histórica com os negros desse Brasil. Existe um longo caminho a ser percorrido. O percurso dessa estrada se faz através da percepção estética, do respeito e da visibilidade da beleza do que é ser negro, do cabelo a planta dos pés.
“O racismo é uma problemática branca” – Grada Kilomba, escritora portuguesa, psicóloga e artista.
Leia mais: A cor, gênero e classe da violência institucional
Leia mais: A consciência tem cor e é preta
Leia mais: Belford Roxo pede justiça contra racismo estrutural