Não pensei que ainda estaria viva para ver mudanças tão radicais e aceleradas, um revés tão audacioso da direita pelo poder, uma tomada, um golpe branco, sob o nosso olhar passivo.
Caminhamos a passos largos para a desorganização social, para o desmonte de direitos, para um tempo de trevas. Ressurgem os comportamentos controladores. A segregação eugênica da população pobre, preta, favelada, a dita eterna “escória social”, o atual lumpenproletariat, está sendo colocada em prática. Adapta-se a Constituição ao gosto do freguês, faz-se uma releitura do Código de Processo Penal para que ele se adeque às escolhas dos novos senhores de engenho.
Conforme o relatório “Recompensem o trabalho, não a riqueza”, da Oxfam, surgiram 2.043 novos bilionários em todo mundo durante o ano de 2017. A soma dessa riqueza seria capaz de acabar com a pobreza extrema por mais de sete vezes. Os dados demonstram o tamanho da concentração de renda e da desigualdade social: das riquezas geradas no ano passado, 82% ficaram nas mãos de 1% dos mais ricos, e nada ficou para os 50% mais pobres da população ao redor do globo.
No Brasil, ganhamos 12 bilionários no último ano; passamos de 31 para 43. Desses, cinco detêm o patrimônio que equivale à metade mais pobre da população do país.
Cerca de 23% da população, que ganha salário mínimo, precisaria trabalhar por 19 anos seguidos para ganhar o mesmo que uma pessoa do 0,1% mais rico da população ganha em um mês.
No que diz respeito às mulheres, elas contribuem anualmente com trabalhos domésticos que, se fossem contabilizados, custariam US$ 10 trilhões ao ano, segundo estimativa da ONU. Mas somos tratadas como sub-qualquer-coisa, porque esse é o papel da mulher no contexto social em uma leitura machista, misógina, com antolhos.
Na contramão do debate sobre as soluções para o combate à desigualdade social, que conta com apoio do FMI – Fundo Monetário Internacional à proposta de tributação para os mais ricos, o Brasil subverte a ordem da caminhada mundial e estipula na sua legislação que as pessoas que ganham lucros e dividendos de empresas não paguem imposto sobre eles, continuando a caber à classe média e aos pobres o peso dos tributos. É um quadro mundial de espoliação das classes trabalhadoras para o deleite da usura dos mais ricos, e essas mudanças começam a ser sentidas em passos acelerados por essas bandas tropicais.
Movimentos recrudescedores se alastram diariamente em todos os setores da sociedade. Vivemos em um momento de tensão, e precisamos ficar atentos aos tentáculos nocivos dos detentores do dinheiro e do poder. O desprezo pela população mais pobre se alastra como vírus no tecido social. Mais uma vez, a segurança pública é acionada para a contenção dos anseios do povo, utilizando para isso os novos capitães do mato.
Os pobres demonizados são traduzidos como marginais, cúmplices de traficantes, acoitadores de bandidos, sem chance de terem seus direitos respeitados. Foi o caso visto na Maré, com suas crianças que aparecem nas fotos de jornais não como pequenos em um momento de lazer, se divertindo em um dia de calor, mas como pano de fundo de matéria sobre o tráfico de drogas publicada pela mídia escravagista.
Triste dias estes que estamos vivendo. É doloroso observar o desmonte de avanços sociais importantes em áreas estratégicas e estruturais para o país. É revoltante ver a avareza, a ganância, o abuso da elite social para garantir o poder e o patrimônio das sucessivas gerações das atuais capitanias hereditárias. Para isso exercitam o encarceramento em massa dos jovens pretos, pobres, favelados vistos como um possível exército do lumpemproletariado; para eles, a pena, a punição, o martírio, o tormento, o suplício. Oprimem, violam, humilham os desprovidos, segregam ao gueto as novas gerações.
Estamos no centro de tempos de descaso com a dignidade humana. Os números da riqueza mundial nos sinaliza o quanto somos sugados, espoliados, desmerecidos – tudo para manter o status quo de uma elite branca, reacionária, escravagista.
É o fascismo chegando, mas, para nós, é um tempo afirmativo. Organizem-se, reagrupem-se! A resposta está nas urnas.