O BOPE E O AQUÁRIO

Diz o ditado que peixe morre pela boca, mas quando o “pescador” pertence ao BOPE, o peixe morre à bala mesmo!

Era uma vez um aquário que aos olhos daquelas crianças e adultos produzia beleza.

Todos os dias o aquário recebia visitas de várias crianças acompanhadas dos pais, a fim de alimentar os peixinhos e depois contemplá-lo.

Nasceu de uma idéia interessante. O local era freqüentado por usuários de crack que a cada dia aumentava o que tornava aquele espaço insuportável. Lixos e brigas, uma constante.

Os moradores reuniram-se decidindo que a partir daquele momento aquela situação teria que ter fim. Uma mente abençoada sugeriu a construção de um aquário comunitário. A sugestão foi aprovada por unanimidade. Formaram uma pequena Comissão, cotizaram-se e construíram. A mesma reunião decidiu que cada criança seria “responsável” por um peixinho. Os pais vibraram e partiram para loja especializada com as crianças e o colorido aconteceu.

O aquário tornou-se motivo para encontros: as crianças discutiam entre si, qual peixinho seria o mais bonito, enquanto que os pais entre goles de cervejas orgulhavam-se do momento. As mães esqueciam as novelas e pensavam em novas idéias.

Tudo ia muito bem até acontecer mais uma invasão do BOPE –“Batalhão de Operação Especial”. Não satisfeitos após terem fuzilado alguns transformadores além de arranhar propositalmente vários carros de moradores, resolveram também fuzilar o aquário. A tristeza tomou conta das crianças que não entendiam as gargalhadas dos sarcásticos soldados ao verem os peixinhos em agonia. Vibraram pelo inusitado feito e foram embora.

Melancólico para todos era ver os destroços do aquário e as faces decepcionadas das crianças. Imediatamente decidiram reconstruir um novo aquário.

A alegria voltou os encontros também. Mas em menos de duas semanas após a reconstrução do mesmo, uma nova incursão do BOPE pasmem, os “homens” de preto da polícia Militar acharam uma ousadia os moradores terem reconstruído um novo aquário. Um soldado se aproximou e fuzilou-o destruindo novamente. Desta vez, antes da retirada um soldado avisou: – Quantas vezes reconstruírem, quantas destruiremos. Retiraram-se como sempre numa espécie de show pirotécnico. Isto porque em fila indiana, um abaixava e o outro pulava sobre o seu corpo. Alguém gritou: – Estão brincando de carniça! Não, era apenas um desabafo…

O aquário acordou o povo da favela do Jacarezinho. A Comissão que nasceu com o simples objetivo de construir apenas um aquário, agora se reúne para organizar um grande manifesto. Um abaixo assinado com mais de duas mil assinaturas, surgiu. Setores de Direitos humanos, imprensa, OAB, ABI e outros, estão sendo convocados. Em 2001, o Jacarezinho recebeu a visita da Relatora da ONU para Execuções Sumárias trazida na época com a ajuda de Marcelo Freixo que ainda não era deputado. A Comissão já o convidou novamente.

– O povo favelado precisa conhecer a história da polícia no Brasil disse um morador na reunião da Comissão. Esclareceu: – A polícia é fruto de um Rei covarde e fujão. Dom João VI. Veio fugido com medo de Napoleão Bonaparte. Portugal já era escória da Europa. Ao chegar aqui com todo o ouro, o qual já havia sido roubado do Brasil pelos seus antecessores, resolveu aumentar a segurança, pois naquele momento só existia os capitães do mato. Estes eram mercenários, degredados contratados para não permitir as fugas dos negros escravos. Então em 1808, fundou a polícia oficializando estes capitães do mato e contratando outros desocupados da época. Ressalta-se que estes já tinham o costume de torturar negros e executá-los sumariamente. Nada mudou hoje no século XXI. Só trocaram a cor da farda, mas os costumes continuam. Por isso é que eles não podem ver um negrinho e uma favela. Confundem com escravos e senzalas. Os pelourinhos e troncos são os Batalhões e delegacias. O morador narrador estava empolgado, pois todos prestavam muita atenção à sua narrativa. Terminou colocando que nós negros e brancos pobres favelados, deveríamos fazer como o povo do Quilombo dos Palmares, formar quadros e descobrir novos Zumbis e descer os Morros e Favelas!

Rumba Gabriel

Fundador e Coordenador do Movimento Popular de Favelas.