Posso dizer aos netos que vivi para testemunhar o presidente elogiando postumamente um jovem correligionário suicida depois de espancar a amante no interior paulista. Assim também direi aos pósteros que o presidente em questão, numa escala técnica em Manaus, foi apresentado a um turista oriental – ou acidental – a quem perguntou, às gargalhadas, se estava “tudo pequenininho aí” e temo que pergunte a alguma japonesa se é verdade que tem aquilo atravessado. Afinal, a grosseria, a falta de educação e a obtusidade córnea já o levaram a dizer que Lula vai “apodrecer na cadeia”, Jean Wyllys “queima a rosca”, Maria do Rosário “não vale ser estuprada”, no Brasil atual é preciso “destruir muita coisa” antes de se construir e turista que vier aqui comer mulher “tudo bem, à vontade”.
Como detectou Jessé de Souza, o racismo racial do nosso presidente está no seu DNA, para usar expressão da moda. Ele nasceu no interior paulista dentro de família oriunda da Itália que não se firmou na classe média de São Paulo, não prosperou social, econômica ou nem culturalmente e na estrutura da sociedade brasileira se situou apenas acima dos negros. Daí a necessidade de humilhar, torturar e matar, daí também o ingresso nas forças armadas ou na polícia, caminhos naturais para extravasar esta necessidade. Branco de olho claro, Bolsonaro só teve esses predicados básicos para ascender socialmente. Sem recursos, estudos e qualquer verniz cultural, é o grosseirão que chuta negros, nordestinos, despreza toda forma de inteligência, odeia mulheres, professores, artistas simplesmente porque não entende nenhum deles e, na realidade, se cerca de militares porque se identifica com o que há de mais comum na farda, os iguais a ele abandonados pela sorte que tiveram a única chance de subir na vida nos quartéis. Bolsonaro não será visto na companhia da elite militar nem da polícia, estudiosa, capaz de raciocínios sofisticados. Sua companhia será sempre de milicianos exploradores de negros e pobres das periferias, salteadores e espertalhões que julgam todo mundo “um bando de babacas”.
Para completar o quadro, a terceira e atual mulher de Bolsonaro também faz parte da classe integrada pelos brancos de olhos claros deserdados da sociedade. Nascida e criada em Ceilândia, a primeira grande favela brasiliense, emblematicamente batizada a partir da sigla CEI, de Campanha de Erradicação das Invasões, é sobrinha de um policial militar miliciano preso há coisa de dez dias juntamente com outros sete colegas que achacam habitantes da favela Sol Nascente. Farinha do mesmo saco de Flávio, Eduardo, Carlos, Jair, o deputado negão que sempre está nas fotos, a jovem negra que posou com a camiseta “Marielle Vive enchendo o saco” e nove entre dez jogadores de futebol em campo no Brasil que aplaudem o presidente incondicionalmente, bem como o técnico Luís Felipe Scolari, outro exemplar dos descendentes de italianos condenados à mediocridade ancestral e que escapou pelo esforço pessoal no futebol. Fiel às origens, porém, levou Bolsonaro ao campo para comemorar a vitória do Palmeiras no Brasileirão.
Observando atentamente as declarações estapafúrdias de Bolsonaro feitas muitas vezes de maneira gratuita, só para agredir as pessoas, como no caso do turista oriental, percebe-se que ele fala o que o chamado Brasil profundo pensa. Não somente os desqualificados sociais condenados à ignorância natural, mas uma gama bem mais ampla de gente que veste a camiseta da seleção e vai para as ruas vociferar contra o PT que governou durante década e meia roubando o mesmo tanto que todos os governos, mas que “gosta de pobre”, pecado capital imperdoável na visão tosca do seu líder louro de olho esverdeado.